[CONTO] Asas Estranhas

Imagem de autoria desconhecida, editada por Érica Farinazzo

 

Ela voava com asas estranhas.

Os céus estavam estranhos. O vento estava zunindo e levando tudo. Tupã e Cy estavam em fúria, podia-se ouvir suas vozes retumbantes, quando as nuvens eram riscadas com raios seguidos de seus brados que a tudo faziam vibrar, insatisfeitos com o que se viam sobre a Terra.

Em meio à tormenta, uma figura alada batia forte as grandes asas desprovidas de penas, como se fosse apenas uma com os céus tempestuosos. Levava consigo um pequeno tacape de formato em meia-lua, feito de pedra afiada como somente seu povo sabia fazer.

Ela mesma confeccionara aquele artefato como seus antepassados o faziam, como forma de se conectar com eles. Distantes memórias de quando fora curumim. O formato peculiar daquela singela arma, tal qual os enfeites na ponta do cabo que o adornavam, e a alça de palha que o permitia não cair-lhe das mãos durante os voos mais altos eram uma forma de manter viva uma pequena parte da cultura pertencente ao seu saudoso povo.

Enquanto ela voava os raios começavam a riscar nuvens mais próximas, clareando o céu noturno. Assim ela sentia pulsar a  ira de Tupã e Cy quando o seus estrondosos sons preenchiam os ares e anunciava que viria muita água dos céus para banhar Cy — a Terra — em breve…

Ela sobrevoava em minutos a floresta e, ao retornar para o seio da Mata, via que toda aquela ventania havia perturbado um bando de morcegos — seus semelhantes de alguma maneira — fazendo-os abandonarem a copa de uma árvore mais alta, assustados, iniciando seu voo noturno.

Ouviu as vozes de seus semelhantes alados na escuridão noturna, os ruídos quirópteros semelhantes a sutis assobios, compreendendo o que diziam e observando assim o medo deles. Aproximou-se mais do bando e emitiu sons semelhantes respondendo aos seus ruídos e tentando acalmá-los, pois sabia que ao menos de Tupã e Cy eles não tinham o que temer.

Toda aquela ira não era contra os seres da Mata, e a cunhã-morcega sabia que as divindades nativas nada fariam contra nenhuma das criaturas de Cy, pois na limpeza que precisava ser feita ela mesma pretendia ajudar à sua maneira…

Aquela cunhã-morcega há várias luas passadas, somente se alimentava de animais, usando o afiado tacape em forma de meia lua para lhes dar morte rápida e piedosa, tal qual pregava o sagrado ciclo da vida. Se fosse puramente morcega, apenas frutas e insetos lhe bastariam, mas não era. E, assim, era temida até pelos humanos que possuíam a pele em tom avermelhado como a sua, por ser de fato diferente deles.

 

O povo das aldeias contava suas histórias com temor a seus filhos, em volta das fogueiras ou em noites de lua. Os mesmos que às vezes se referiam à ela por meu nome – Guandira, embora os ouvisse nomeá-la mais vezes por Cupendipe, o nome de sua extinta nação — o povo-morcego.

Mas agora outro tipo de ser aparentemente humano caminhava naquele solo que lhe era sagrado. Os que possuíam a pele branca, pelos na face e o corpo coberto por estranhas vestes. Eles não tinham o mínimo respeito pela Mata – por Cy e Sua sabedoria ancestral. Já haviam derrubado covardemente inúmeras árvores, muitas delas muito antigas e sábias, como se fossem para eles meros objetos. Vinham com suas grandes lâminas assassinas e suas armas estranhas, que cuspiam fogo.

Quando viam a Cupendipe caminhar ou planar pelas matas que haviam invadido, nas raras ocasiões que com ela haviam se encontrado, a chamavam de nomes absurdos, aos quais não fazia ideia do que significavam, mas lhe soavam ofensivos… “Gárgula”, “demônio”, “assombração com asas”… O que mais usavam mesmo era “demônio”.

Guandira pouco se importava com como tais invasores resolviam chamá-la. Porém após ver tudo o que este tipo de ser estava fazendo com Cy, sua generosa Terra-Mãe, queria ajudar na tarefa de eliminar estes seres nocivos vindos de além mar, sabe-se lá para quê ou porquê.

Seres estranhos que viviam tão somente para cortar árvores e matar seres das matas em vão. Como se suas vidas nada valessem. E para completar uma lista de seus desmandos, de vez em quando a Cupendipe via cunhãs, as moças virgens das aldeias, entrando na mata a noite para se esconder, fugindo destes malditos invasores.

Já havia salvado uma delas, sua companheira de várias e várias luas, em um passado já um tanto distante quando ainda era praticamente curumim. Apesar do tempo, jamais esquecera aquela cunhã, e foi para ajuda-la que havia matado um deles — a primeira vez que experimentou o sangue de um destes homens exóticos de pele clara. Eis uma serventia segura para eles — Serem alimento.

Na época o atacara apenas por sentir que ele era uma ameaça quando ele a havia atingido com algo que na ocasião ainda não sabia ser uma espécie de arma. Mas agora, após presenciar tantas vezes as intenções deles com Cy e com as cunhãs, sabia que fazia bem à elas matando-os para prover alimento. Por vezes se valia do tacape para tal intento e por vezes seu machado de meia-lua nem era necessário.

Nem Anhangá – que era a própria personificação das nuances caóticas e sombrias da natureza — ficava satisfeito com o que eles faziam, mas este costumava não tomar partido em defesa de ninguém quando era preciso. Ele e sua consorte Ticê pareciam pouco se ocupar da ameaça que aqueles invasores representavam.

Quanto às Coniupuyaras, chamadas por outras nações de Ycamiabas por serem uma comunidade inteira somente de cunhatãs sem maridos, correm boatos que elas haviam conseguido expulsar um grupo destes intrusos de seu território… mas mesmo para a cunhã-morcega por hora ainda era difícil encontrar onde ficava este lugar e pedir-lhes ajuda.

Então, Guandira teria apenas Tupã e Cy por testemunha naquela noite. E sentia em suas entranhas que devia seguir seus instintos, aproveitando para livrar a Terra-Mãe gentil da presença predatória e da ameaça que estavam se tornado aqueles exóticos intrusos.

De repente, algo interrompia os pensamentos de Guandira. Ouvia um ruído alto e repentino na mata. Parecia o som surdo de um disparo daquelas armas barulhentas que cospem fogo. Virou a cabeça e fixou seu olhar profundo, enquanto ainda planava noite adentro, desta vez mais próxima das copas das árvores. Segurou o tacape-meia-lua apertando-o entre os dedos, as asas enrijeceram e ficou totalmente alerta.

Conseguia ver perfeitamente no escuro quando uma pequena ave noturna, aquela que os humanos chamavam de “rasga-mortalha” pelo som cortante que o bater de suas asas fazia no escuro, voou apressadamente, passando por ela. Com seu sutil ruído característico a ave passou tão assustada que a cunhã-morcega nem conseguiu lhe perguntar o que havia.

Logo se colocou em uma de suas posições mais confortáveis e convenientes para investigar  —  asas fechadas recolhidas junto aos braços, machado meia-lua escondido dentro delas e pernas abraçadas a um galho de árvore, com o corpo pendurado de ponta à cabeça, rente ao tronco quase da mesma cor de sua pele e de suas asas, onde se misturava entre as folhagens como parte da árvore, se ocultando com perfeição. Ali ficou uns instantes,  olhos e ouvidos atentos.

Foi, então, quando viu um destes homens de pele clara segurando uma daquelas armas em uma mão e arrastando uma cunhã por entre as árvores com a outra. Resolveu segui-los. A moça da aldeia chorava. Contra a vontade dela, ele a levava, enquanto a sensível audição da Cupendipe captava o som grave que escapava da garganta do estranho tipo humano.

— Não sejas tímida, oh rapariga!  Se não fosses tão arisca não precisaria de meu mosquete para convencer-te a vir comigo… Vais servir-me, e a meus companheiros esta noite… E se te comportares bem, ganhará um presente quando estivermos satisfeitos…

Guandira o ouvia falar enquanto a cunhã humana chorava copiosamente e tentava em vão puxar o braço para a direção contrária. A moça com asas podia ver na penumbra que a mão masculina que não segurava o mosquete prendia com força o pulso da moça que caminhava com hesitação de um modo que ela não podia escapar. Continuou a segui-los cruzando os galhos das árvores, enquanto ainda o ouvia falar, numa língua que lhe soava muito estranha, mas se esforçava para entender… Afinal, não era a primeira vez que ouvia um deles falar algo parecido.

— Ora pois, índia, por que choras? Vosmecês caminham nuas, a nos incitar os desejos… Não é culpa nossa se sois tão lindas, mas não possuem pudores!

Guandira percebia que apesar de não compreender uma só palavra dita pelo homem, a cunhã sentia-se vulnerável. A cunhã-morcego estava louca para pular e rasgar a jugular masculina que vibrava com um riso debochado ao pronunciar aquelas palavras… Usaria o tacape para abrir-lhe o crânio! Não se conformava com o modo como aqueles intrusos tratavam as cunhãs! Os absurdos e covardias que faziam Cy testemunhar…

Então, no mesmo instante, o intruso viu que a copa de uma árvore parecia se mover e ergueu a cabeça, um tanto desconfiado. Parecia ter ouvido um bater de asas… Algum animal selvagem estaria próximo?

A Cupendipe estava prestes a se revelar por causa de sua ira contida, mas se controlou com esforço, pois imaginou que para onde ele iria haveriam outros.  Seria realmente maravilhoso pegá-los todos de uma só vez. Haveria assim comida para ela mesma, através da seiva escarlate que sairia daquelas veias e também para outros irmãos de outras espécies que caminhavam pela Mata sobre quatro pés, e os quais também precisavam de alimento através da carne que ela deixaria para eles. De algum modo aqueles invasores seriam úteis para matar a fome de outras criaturas de Cy, e somente por isto ela aguardou um pouco mais.

Quando em minutos o branco chegou próximo aos outros não precisou de muitas palavras. Eles estavam em volta de uma pequena fogueira. Suas roupas estranhas, os exóticos olhos e cabelos claros iluminados pelo fogo.

Logo se ergueram e cercaram a cunhã com sorrisos maliciosos na face. A moça se encolhia e tentava se esquivar das várias mãos enquanto eles a apalpavam. Ela tentou correr e foi impedida, cercada.

O sangue de Guandira agora fervia… Em instantes não aguentou mais e se atirou aos ombros de um dos homens, puxando-o para trás de uma grande árvore em segundos, com destreza. Afastava-o dos demais para dentro da mata enquanto montava em seus ombros usando as coxas para sufocá-lo, tampando sua boca…

Foi tão rápida que ele nem soube direito o que havia acontecido. Tudo ocorreu de modo que os outros sequer notassem… Ele se debateu desgovernado com as pernas da Cupendipe em volta de sua cabeça. Mas a cunhã-morcega bateu sutilmente as asas e o segurou com firmeza.

A Cupendipe em seguida terminou por vencer o humano desorientado em poucos instantes, ao golpear seu crânio com o machado meia-lua antes que ele chamasse a atenção dos demais. Desmontou sua presa, segurando-o antes que ele caísse, e lhe enterrou os dentes na jugular ainda planando, sem que seus pés sequer alcançassem o chão enquanto agia.

O homem nem soube o que o atingiu e teve boa parte de seu sangue drenado com fartos goles, enquanto se ouvia ainda o riso dos outros, aparentemente sem perceberem o que de fato ocorria nos arbustos adiante, e que o companheiro estava morto.

Guandira aproveitou o quanto a própria cunhã distraía o grupo, e em minutos repetiu com gosto a façanha com mais dois deles. Agora seria fácil se mostrar para pegar os últimos de frente.

— Ei, gajos! Não é hora para se aliviarem no mato!

— Hão de perder todo divertimento… Onde vosmecês estão?

Os dois bradavam ainda aos risos, e já se preparavam para despirem-se da cintura para baixo, enquanto um já havia encostado a cunhã numa árvore. No entanto seus brados descontraídos foram interrompidos por um alto “guincho” semelhante ao ruído de um animal. Talvez morcegos? Mas nem eles guinchavam assim…  O som parecia vir de algum lugar bem acima de suas cabeças. Eles olharam para cima e sentiram o sangue gelar. Então libertaram a índia, que caiu ainda confusa.

Guandira bateu as asas com força e planou bem diante deles, trazendo um vento hostil contra as faces estupefatas que a observavam. Segurou um dos homens erguendo-o do chão pelos cabelos para graciosamente enterrar o tacape com força em sua garganta com um golpe certeiro, e beber a deliciosa seiva escarlate que do ferimento escorria ainda em pleno ar.

“Mas que aberração era aquela? Só podia ser um demônio!” — O último homem pensava. Então se afastou correndo da bela índia que antes estava prestes a possuir sem que ela o quisesse, e daquela coisa demoníaca que voava entre ela e ele agora… Tinha asas! Estranhas asas de morcego…

— Gárgula! Demônio! – gritou ele.

— Cupendipe! – gritou a cunhã que estivera em poder dos invasores.

Cada qual correu em direção contrária na mata, o que deixou a moça alada feliz, porque a cunhã logo estaria a salvo em sua aldeia, e levaria mais um relato a seu respeito para ser contado. Então Guandira, com sangue a manchar-lhe boa parte da face e o machado-meia-lua, foi ao encalço do último homem branco, que era o primeiro quem trouxera a moça.

Quando o alcançou, lhe lançou um chute ainda batendo as grandes asas e o deteve rente a um tronco de árvore, imobilizando-o com um dos braços, tal qual ele mesmo fizera com a índia capturada minutos antes. Com a outra mão a Cupendipe erguia lentamente o tacape ainda sujo de sangue e olhava-o sorrindo enquanto o ouvia gritar em vão.

Com a mão que antes o segurava usou as unhas e lhe rasgou primeiro suas roupas esquisitas, enquanto o pavor o impedia de reagir ou sequer se mover, já sabendo o quanto aquilo fazia um homem como ele se sentir vulnerável. Tal qual eles faziam as cunhãs que molestavam se sentirem!

Guandira logo enterrou os dentes em sua jugular após subjuga-lo por mais alguns instantes, e provou seu sangue. Em seguida enterrou o tacape no alto de sua cabeça, tomando-lhe a vida para deixar o resto juntamente com a carne para os seus amigos, os lobos-guarás, que certamente apreciariam o belo banquete deixado de presente aos pés daquela árvore.

O indigno predador humano agora havia se tornado a indefesa presa, para alimentar a quem normalmente caçava. Graças aos corpos daqueles humanos ali abandonados a refeição de vários dos amigos selvagens de Guandira — os que caminhavam sobre quatro patas — naquelas matas seria farta. Tupã bradou uma vez mais, vibrando tudo ao redor enquanto se via o clarão de sua ira manifesta em raios clarear a noite por um breve instante.

A Cupendipe sabia que aquela era sua resposta, e a manifestação de como sua singela ajuda na luta contra os invasores era apreciada… Cy, a Terra, agora era finalmente banhada pelas águas sagradas advindas do céu com fartura e vigor… A tempestade serviu bem para lavar tanto a face quanto o tacape em meia-lua de Guandira, sujos do sangue de sua última refeição.

As águas vindas do céu para brindar aquele farto banquete selvagem. A limpeza da Terra estava sendo feita e talvez o equilíbrio ancestral das matas ainda pudesse ser mantido, enquanto a Cupendipe voasse e outros seres daquelas florestas aparecessem para punir quem ameaçasse tal harmonia.

Medo do Escuro – Conto Dramatizado

 

Versão exclusiva com as vozes de cada personagem disponínel no SPOTIFY, ANCHOR e DEEZER

SINOPSE DO CONTO: Tentava dormir e não conseguia. E o medo do escuro, perdido na infância, lhe sobrevinha. O resquício do medo ancestral: o medo do desconhecido…

 

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Era realmente difícil permanecer ali inerte, em meio à todo aquele silêncio. Diante de sua fragilidade humana, tendo de dar conta de seus próprios pensamentos, outrora distraídos pela televisão, rádio ou outro eletrodoméstico. Agora não os tinha em funcionamento, não podia mais escapar de si mesmo. E de toda sua tristeza pela partida recente de sua Samia…

Ainda possuía a filha para se ocupar. Sabia que ela também sofria com a falta da mãe, e tinha pesadelos recorrentes. Queria dar-lhe mais atenção, mas não conseguia. Estava totalmente prostrado. Para arrematar seu infortúnio aquele apagão que já durava três dias e quatro noites, mergulhando toda a cidade naquela escuridão. Talvez o mundo inteiro… Ele não sabia. Sabia apenas estar em seu quarto, cercado pela ausência absoluta de luz tanto fora quanto dentro de si mesmo. Todo aquele insólito silêncio. E o medo do escuro, perdido na infância, lhe sobrevinha. O resquício do medo ancestral: o medo do desconhecido…

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Tentava dormir e não conseguia. No quarto uma grande janela de vidro ocupava quase toda a parede oposta à cama, a qual não conseguia parar de encarar. A penumbra iluminada apenas pela tênue chama de uma vela.

Os pequenos olhos já adaptados à escuridão miravam incessantemente a janela, com medo de que a qualquer momento veria algo assustador. Neste momento, interrompendo seus pensamentos, ouviu um barulho. Voltou-se hesitante e ainda engolindo o choro, o coração aos solavancos.

Estava inteira trêmula imaginando o que contemplaria mais uma vez. O escuro ajudava a alimentar ainda mais sua imaginação infantil. Quando o lado de fora da janela começava a se encher com uma misteriosa e densa névoa, cuja sutil brancura era facilmente perceptível no breu. E lá estava, saindo da sinistra bruma e flutuando no parapeito como uma assombração, uma mulher.

— Alice…

— Não! — gritou sentando na cama assustada diante daquela figura…

— Alice, querida! Se esqueceu de mim tão depressa?

— Por favor… NÃO!

A menina olhava a aparição da conhecida mulher em meio àquela inexplicável neblina que parecia sustenta-la flutuando no ar. Tão amada e saudosa, porém perturbadora naquelas condições. A chama da vela crescia e tremeluzia à sua presença, tornando aquele momento ainda mais bizarro. Aquela criança ficava paralisada contemplando-a da cama, sem saber o que fazer…

— Não seja uma filha ingrata, Alice! Deixe a mamãe entrar…

— Me deixe em paz, mãe… Por favor!

Sem tirar os olhos da figura fantasmagórica que tomava a janela, claramente visível em meio à toda aquela escuridão, a menina já não conseguia segurar as lágrimas… Ela deu um grito agudo e choroso. Embora não tivesse a esperança de que o pai, no quarto ao lado, lhe ouvisse. Pois sabia que ele estava estranho e sem se importar com mais nada desde que lhe dissera que sua mãe fora fazer companhia aos anjos e se tornara um deles. Contudo como a via agora pairando do lado de fora de janela e arranhando as unhas nos vidros, não lhe parecia nem um pouco com um anjo.

A criança se deitou chorando e cobriu a cabeça com as cobertas. Poderia simplesmente sair correndo daquele quarto, mas seus joelhos tremiam demais para conseguir ficar em pé. Alice tampou os ouvidos com as mãos para não ouvir mais o som dos dedos de sua mãe falecida, batendo em sua janela. E continuou enrolada dos pés a cabeça mais algum tempo. Não soube quantos minutos se passaram, quando de repente algo retirou-lhe as cobertas com um solavanco, e o menina gritou em desespero…

— Alice! Minha princesa, o que foi?

— A mamãe! Ela estava aqui! Ela estava aqui!

A menina se colocou de pé na cama e o pai a abraçou tendo ainda os lençóis na mão. Ficaram assim alguns minutos, cercados pela penumbra do quarto. William demorara ao vir até a filha devido à sua enorme apatia e também a ter de caminhar pela casa no escuro.

— Filha, foi só um pesadelo! Mamãe não está aqui…

— Mas pai… O fantasma da mamãe voltou!

— Sei que é difícil aceitar que a mamãe se foi… Mas, Alice, ela não é um fantasma! Ela foi para junto dos anjos, amor…

Alice preferiu não insistir. Pois apesar de sua tenra idade a voz chorosa do pai era suficiente para fazê-la entender que não adiantaria dizer mais nada. A única vela no ambiente terminou de se consumir, mergulhando pai e filha no denso breu da escuridão. 

##

William caminhava pelas ruas desertas e sem luz naquela madrugada, claudicante e com uma única vela nas mãos. Sequer se importava com a cera que lhe escorria pelos dedos. Deixara a filha adormecida em casa para obedecer a um impulso. Tomou o rumo de um local onde sentia que precisava ir para espantar seus próprios fantasmas e também os da pequena Alice. Não quis sequer esperar amanhecer, pois não aguentaria ouvir a filha acordar gritando com outro pesadelo.

Então na calada da noite acontecia algo inesperado no cemitério, pois o viúvo estava atravessando os portões para visitar o túmulo de Samia, mãe de Alice, pois se convencera de que se ela se sentia sozinha naquele lugar. Sua alma não deveria estar em paz para estar atormentando a própria filha com tantos sonhos ruins…

Ele carregava na mão oposta à vela uma rosa, colhida da roseira que a própria Samia cultivava em vida, no quintal de casa. Caminhou por alguns minutos pelas aléias, passando por muitos túmulos. Não havia uma viva alma em parte alguma para onde olhava. Só a escuridão à sua volta. E aquele medo ancestral começava a fustigar em seu íntimo…

A lua estava enorme no céu escuro. Iluminando a necrópole, desenhava no chão o contorno exato dos sepulcros e das lápides. Uma brisa insistente soprava, balançando as folhas de algumas árvores que haviam por lá, e que refletidas no chão, pareciam dançar um sinistro balé de soturnas sombras.

A essa altura da caminhada, o homem já se questionava se realmente fora uma ideia razoável ter vindo ali sozinho  num  horário como aquele… Teve de admitir que o clima do lugar e seus próprios  pensamentos já estavam incomodando-o. Estaria enlouquecendo afinal?

Até que, entre dois túmulos à frente, ele viu algo que quase o matou de susto — uma misteriosa figura estava parada de frente para ele a pouca distância. William esticou a mão que segurava a vela e se arrepiou inteiro, e não conseguia prosseguir ou voltar. Notou que uma estranha névoa encobria aos poucos a penumbra iluminada parcamente pela chama. Ficou olhando para ela sem saber o que fazer, não sabia mais se estava sonhando ou se estava acordado. Então tudo o que conseguiu fazer foi esticar a rosa na direção da figura diante dele, as mãos trêmulas…

— Para mim? Que adorável, querido! Sinto mesmo saudades das minhas flores…

A mulher se aproximava calmamente, e de repente o homem pôde perceber que estava tão nervoso que já não conseguia se mexer.

— Samia!? Me perdoe! Não tenho vindo lhe ver…

— Só preciso que você me traga nossa filha, querido!

— Isto é um sonho?

No minuto seguinte sabia bem que aquilo era uma nefasta realidade. Não foi capaz de se mexer quando aquela aparição, que se assemelhava tanto à sua falecida esposa, o tocou… E ele deixou ir ao chão a lanterna e a flor ao sentir que o toque gelado daqueles dedos fantasmagóricos era real. Samia já começava a abraçá-lo e sussurrava ao seu ouvido.

— Traga nossa menininha, William! Me ajude a chegar até ela… Eu a quero comigo, mas ela não gosta mais de mim…

##

Alice despertou e viu só escuridão à sua volta. Pensou que precisava do pai e sentou na cama.

— Pai? — chamou e não houve resposta…

Ela saía da cama e caminhava pelo próprio quarto totalmente às escuras, sozinha. Estranhou quando não ouviu ruído e pensou onde estaria o pai. Não sabia o que era pior, o medo de continuar no escuro e só ou o de tatear em volta em busca de uma vela, para achar o pai… Um aperto no peito da menina de sete anos a fez hesitar e se sentar de volta na cama após tateá-la na escuridão.

— PAI! — gritou mais alto e nada. Então veio o choro provocado pelo medo…

 As lágrimas da criança foram interrompidas quando a porta do quarto se abriu e o brilho tênue de uma vela iluminou a penumbra. A menina pulou da cama e correu em direção ao pai.  Notou então  o pai envolto na estranha névoa. Logo viu que ele não estava só. E saiu correndo de volta para a cama… Chorando.

— Filhinha… Por favor… Não rejeite a mamãe assim! — a voz feminina e melancólica tentava tranquilizar mas dava medo.

A menina apenas cobria os olhos com as mãos e se encolhia no canto da cama. Sentiu um arrepio com o toque etéreo da mãe. E por um instante conseguia notar que ele era frio, porém afetuoso.  Respirou profundamente por um minuto. Em seguida conseguiu conter o choro e retirar as mãozinhas do rosto.

Viu o pai sentado ao seu lado na beirada da cama. De pé, bem próxima, a presença espectral da mãe. Ainda estava receosa e a névoa que ela trazia consigo pairava em todo cômodo iluminado apenas pela vela que queimava onde jazia o abajur, naquele momento apagado e inútil. Tal qual todas as luzes daquela casa…

— Meu amor, não precisa ter medo. Seremos uma família de novo…

William passava os dedos nos cabelos da filha, e ela notou que ele segurava um copo comprido, ao qual à luz da vela se via cheio.

— Amor, mamãe veio nos buscar! Ela se sente sozinha e quer você com ela…

— Mas pai… Ela não ia ficar com os anjos?

— Você é meu anjo, Alice! — a mulher fantasma lhe declarou. Em um tom carinhoso que ao mesmo tempo continha algo de doentio.

A menina olhava confusa. O pai continuou no mesmo tom afetuoso. Com voz suave falava com a filha no tom ameno que se costuma usar para se convencer à uma criança…

— Filhinha, beba deste copo que o papai trouxe, e podemos ir com a mamãe…

A menina olhou desconfiada. Mas confiava no pai e aceitou tomar metade do líquido que ele lhe oferecia. Em seguida o pai bebeu o resto do elixir e abraçou a filha. Antes que os dois sofressem as convulsões que em minutos cessariam suas vidas o pai ainda lhe falou ao ouvido, O tom doentio…

— Eu te amo, minha pequena… Me perdoe! Papai tornou-se um fraco que tem medo da escuridão! Medo de viver sem nossa família… Amo demais vocês duas para continuar no escuro sozinho!

Aquele homem fora boticário durante toda sua vida, e nunca imaginara que um dia usaria seu ofício para fazer aquele elixir. Ao qual seria fundamental para unir sua família mais uma vez.

 

 

***Sobre a autora:

“Sou a antítese do paradoxo com premissas de incerteza e períodos de instabilidade…” —

Diz sobre si Nanda Diletante, vulgo Fernanda Miranda — autora fascinada por histórias sobrenaturais, que costuma compartilha-las no blogue Essência Diletante do WordPress e no DiletanteCast pelo Spotify… Alguém que ama gatos e cinema oitentista. Outrora já organizou e participou de várias antologias literárias, incluso uma de Portugal… Mas após o apocalipse nosso de cada dia tenta não sucumbir num surto coletivo de realidades estranhas.

Sangue de Lua – Conto Dramatizado

Concepção de capa por ÉRICA FARINAZZO

Versão exclusiva e sem cortes disponínel no SPOTIFY, ANCHOR e DEEZER…

SINOPSE DO CONTO: Ela atravessou os portões do cemitério naquela noite com um objetivo… Para tanto contaria com SEU PRÓPRIO SANGUE! E somente a lua cheia por testemunha…

Ouça versão exclusiva e definitiva do conto no SPOTIFY!

[CONTOS]Feridas que Não Cicatrizam – Parte 2/2

 

Por alguns minutos Luana fez a chama crescer sobre a lâmina afiada que segurava sem que a mesma lhe queimasse, manipulando-a. E agora deixando a vela de lado, já com a chama de volta ao normal, e segurando com cuidado pelo cabo a faca que exibia um gume de metal incandescente como brasa, Luana aproximou-se do abdômen do humano que estava à altura de seus olhos.

Embora o homem tentasse em vão se retrair, pendurado pelas cordas, a moça começou a usar a lâmina quente para escrever… Até que os berros de Ivan a incomodaram e ela se dirigiu séria ao ferino espectador, que havia se recostado à parede ao lado para assistir e lhe sorria enquanto olhava a tudo inspecionando de perto com visível satisfação…

–Pode amordaça-lo de novo? Estou cheia deste escândalo, mesmo com este som ligado!

— Mas que satisfação! Me surpreendes, Luana…

Faça o que mandei agora!

Ela estava compenetrada e tensa demais para ouvir elogios, irritada nem encarava o cúmplice. Solfieri podia notar que a garota ofegava de leve, percebia com nitidez sobrenatural seus batimentos cardíacos em descompasso e a grande tensão em seus pensamentos, na verdade em cada veia de seu corpo. Ele via ainda a faca trêmula em sua mão… De fato ela não estava para conversas amigáveis naquele momento.

— Não te atrevas a me insultar ou posso esquecer-me de respeitar nosso pacto! – Solfieri falou ao ouvido de Luana com a voz nítida e gélida, apesar de quase um sussurro.

Por hora ele ficou carrancudo, mas resolveu ignorar o modo um tanto imperativo, quiçá autoritário, como ela pareceu se dirigir repentinamente a ele sem fazer-lhe nada em represália por hora. Soltou apenas um grunhido, pois via que ela estava mergulhada numa espécie de transe e quase não o ouvia. Catou a mordaça e preferiu não discutir.

— Desculpe! Eu… — Ela tentou dizer, parecendo um pouco de volta a si, erguendo a cabeça para buscar os olhos profundos de Solfieri e finalmente temendo a frieza que ouvira em sua voz na última vez que ele a ela se dirigira.

Ele olhou-a inexpressivamente, colocando seu gélido indicador sobre os lábios quentes dela e em seguida em seu próprio lábio, indicando que ela silenciasse. Em seguida fez o que ela lhe pedira e devolveu a mordaça apertando-a com força e raiva ao redor do maxilar fraturado do humano, que soltou um guincho. E no instante próximo apontou para a faca na mão da garota, ainda com frieza na voz.

— Esta lâmina já está fria, Luana!

Mais uma vez a voz dele era fria como gelo… Mas a moça não demonstrou receio, e apenas arregalou os olhos para o objeto cortante, voltando atenção para o mesmo. Suspirando voltou a tomar a vela numa das mãos e fazer com que o fogo aumentasse para esquentar a lâmina.

Porém antes notou que o amordaçado parecia soltar um riso sufocado entre gemidos… Ele percebia o que ocorrera? Aparentemente, mesmo em seu estado lastimável, tentava fazer chacota da situação de quase conflito entre o par de cúmplices.

Luana então levantou os olhos para encarar os de Ivan… Novamente ela estava sem expressão ou emoção alguma. Mas viu nitidamente que o olhar dele de fato mantinha certo contentamento debochado, a despeito de sua dor. Ela então levou a chama alterada, até seu maxilar fraturado. Deixou-a ali até que bolhas se formassem sob o queixo e no pescoço, tomando cuidado para não atingir o pano da mordaça.

Então não demorou para que o riso abafado do moribundo se tornasse em grunhidos e guinchos sofridos. Enquanto a moça morena ainda o observava com a face inexpressiva, apesar das veias que lhe ferviam pelo fogo de sua ira latente. Ivan guinchava feito um porco ferido, quando Solfieri interveio… E lhe explicou que deveria cessar aquilo se não quisesse dar ao humano uma morte rápida demais. Ele lhe advertiu que ela mantivesse o sangue frio, ela retrucou que quem possuía sangue gelado ali seria apenas ele mesmo. Os dois se olharam e sorriram brevemente, tal qual compartilhassem uma piada secreta.

A garota então controlou o fervente líquido de suas veias após a descontração, em seguida voltou à chama da vela que segurava com força em uma mão para a lâmina da faca ainda na outra, segura com mais firmeza agora. Se concentrava em aumentar mais uma vez a chama, e ao fazer a lâmina incandescer soltou a vela de súbito e, antes de ambos os homens esboçarem qualquer reação, já enterrava a faca avermelhada e fervente no abdômen do humano, retomando o intento de escrever algo que planejara desde que adentrara aquele porão com aquela ideia louca de torturar aquele desgraçado, quando ele lhe fora entregue como “presente” por Solfieri, para que se vingasse.

Fizera há semanas atrás um arriscado ritual para evocar aquele vampiro, e aceitara que ele penetrasse sua mente e visse o que Ivan havia lhe feito, uma vez que seria para ela menos doloroso do que se tivesse de contar porque desejava que ele sequestrasse o humano… E naquela noite havia finalmente a oportunidade de ao menos uma vez ela querer saber como era ser o monstro da história, estar entre algozes, experimentar tal poder… E assim como eles, permitir-se não se importar se aquilo tudo era correto ou não!

Poderia estar se corrompendo mortalmente para tal, e talvez perdendo ali sua inocência de modo mais drástico e irremediável do que ao perder seu hímen… Mas já não se importava! Há tempos já não se sentia sendo o que poderia se chamar de uma garota humana normal. Se quer convivia mais com frequência entre humanos! Aquela era sua sina…

Então após vários minutos, os quais sua mente anestesiada por toda aquela experiência visceral mal podia divisar quantos, finalmente via-se nitidamente talhada pela lâmina fervente, no abdômen daquele verme humano a palavra que o definia, e cuja à acusação ele nunca respondera e nem pagara, até aquele momento: ESTUPRADOR

Luana caía ao chão após fazê-lo. Uma súbita tontura a derrubara. Bom, sentira as pernas bambas vacilarem e pensara ter ido ao chão. Embalada por aquela música que ainda tocava naquele ambiente, e o que tinha de melodiosa tinha também de perturbadora. Como todo aquele ato ali realizado.

Mas a garota não havia ido ao chão… Um par de braços ágeis, e velozes de modo sobrenatural, lhe haviam segurado com facilidade antes de consumada a queda… Ela estava ofegante e suava frio… Imbecis eram aqueles que achavam que matar ou torturar era algo fácil! Ainda que fosse para fazer justiça com as próprias mãos…

Luana acordou daquele transe tétrico apenas ao sentir o profundo beijo no pescoço, que logo se tornou uma sutil mordida. Que aquela dor, embora já acostumada a senti-la, lhe purgasse ao menos uma parte de seus atos daquela noite! Apertou os olhos… Era a primeira vez que Luana lembrava não conseguir sentir prazer algum com aquilo… Suspirou de dor e engoliu em seco. E como se percebesse e respeitasse o incômodo, inesperadamente em instantes o parceiro inumano logo cessou de sorvê-la…

— Pode, por favor, terminar com isto para mim? — de olhos cerrados ela pediu.

— O humano? Estás a dizer que queres que eu o mate, Luana?

— Sim, quero! — Ela não hesitou, demonstrando urgência na voz, embora suavemente.

— Mas estavas tão bem! Tens certeza que não queres completar o vosso intento?

— Não! Morrer é libertar-se! Não darei isto a ele! – Luana falava sem olhar para Solfieri, mas este obviamente sabia que aquele não era o real motivo que passava pelos pensamentos dela.

— E não entre em minha cabeça! Agora não! O tempo está passando… E eu estou exausta! Sabes que não tenho experiência nisto… E você sim! Até muita! – Ela foi obrigada a ser mais sincera, em tom de súplica. Era de fato difícil mentir para ele.

— Exatamente por isto, tu devias fazer, Luana! A vingança é tua! Devias enviá-lo ao “outro mundo” tu mesma… Tomar-lhe a vida!

“Mas se não queres “ainda” ter tal experiência, eu o farei…” – A última frase dele ressoou de modo sobrenatural direto dentro da mente dela.

Luana agora pensava: não fora exatamente para isto que a princípio tanto buscara aquele ser? Não desejara tanto ser uma assassina inumana e impiedosa também? Ser como ele, e exatamente para tal o evocara… Para nunca mais ser vítima de nenhum outro humano e adquirir o poder do qual precisava para revidar! Não faria qualquer coisa para obter tal poder sobrenatural? Pois Luana não era vampira ainda. E parecia ter falhado no último teste para se tornar uma! No entanto quando saía de suas divagações e ia dizer que desejava uma nova chance e podia tentar mudar de ideia, assustava-se com o solavanco do pescoço do humano sendo quebrado. E arregalou os olhos por um instante, um certo nó na garganta lhe fizera surpreender a si mesma…

— Que estás a olhar com esta face chorosa? Oras, não era o que tu querias, menina?

A garota lhe deu as costas enquanto Solfieri falava. Ela caminhava até a outra parede e recostava na mesa, ainda com o livro aberto. Cabisbaixa… Como quem parecia prestes a chorar… Mas estava se segurando ao máximo. Logo arrastara o livro para um lado e dera as costas ao mesmo, intencionando se sentar sobre a mesa.

Então sentiu no mesmo instante uma gelada mão pegá-la fortemente pela cintura, com velocidade sobrehumana, e colocá-la sentada sobre a mesa de madeira. Não utilizara força alguma para tanto. O cabeludo imortal de cabelos avermelhados era alto, não era robusto, mas mesmo assim tinha mais força que qualquer humano.

A outra mão dele ela já sentia deslizando gélida em sua orelha e sobre as mechas de cabelos alvos e negros que se mesclavam sobre seu pescoço. O toque a fez arrepiar-se… E pela primeira vez, desde que sentira aquelas mãos frias em sua pele, elas lhe pareceram incômodas. Eram as mãos de um assassino! Por mais óbvio que aquela conclusão parecesse àquela altura. Por mais óbvio que sempre fosse aquele fato desde que conhecera aquele sujeito, aquele ser, aquele vampiro. Uma coisa era sempre saber outra era agora dar-se conta…

A humana continuava cabisbaixa, e o inumano logo notou que ela não correspondia a ele como sempre. Retirou a mão da pele dela, e colocou ambas sobre a mesa de cada um dos lados de onde a moça estava sentada, deixando-a no meio. Buscou olha-la nos olhos, que graças à mesa estava quase na altura dos seus, mas ela não erguia a cabeça para encara-lo. Aquilo o impacientou…

— Ora, não me digas que agora vais chorar por este traste!?

–Não! Não é nada disso! — Luana garantiu…

Contudo, será que não era mesmo…? Afinal, um homem acabava de ser assassinado a sangue frio bem diante dela, e ela ajudara a causar-lhe dor antes, fosse merecidamente ou não. Estaria sentindo culpa? O recém-falecido certamente não merecia lamentos seus… Então ela finalmente erguia a cabeça para encarar o cabeludo pálido, e suspirava contrafeita e confusa. Continuava a falar de cenho franzido…

— Acho que só estou preocupada…

— Com o que? Levarei este verme antes do amanhecer, me livrarei dele… E limparei qualquer vestígio deste cômodo… Embora não deixaste quase nenhum! Tu foste sublime esta noite, Luana!

— Mas não consegui matá-lo! Como poderei me tornar como você assim? E viver de tirar vidas!? Como poderei te acompanhar pela noite sem conseguir fazer isto…? — ela dizia as palavras com sofreguidão, deixando as lágrimas brotarem quentes e rolarem pela face morena… Que já não encarava a face pálida.

— Entendes agora porque ainda não posso servir-te de meu sangue? Por que não podes tornar-te noturna por definitivo? – Solfieri a repreendia, embora com gentileza.

— Preciso mudar! Preciso… Mas como? — a voz fina e jovial de Luana saía embargada pelo choro… A voz grave de Solfieri saiu firme, porém com serenidade:

-Acalma-te! Em breve veras teu desejo satisfeito! Não é preciso precipitação… Não sois uma humana amedrontada como a maioria tende a ser… Soubeste dar a este traste o que ele merecia de ti! Lavaste com sangue tua honra! Tomando dele a vida ou não…

Ela encarou-o e lhe sorriu por um breve instante, com olhos ainda lacrimosos. E no segundo seguinte o abraçava, procurando abrigo entre aqueles braços frios… Afundando o rosto quente e pardo, no tecido da camisa negra que cobria o tórax alvo e gelado.

Ao qual ela apenas havia alcançado com facilidade por estar sentada ali. Notava e já sabia que naquele peito frio havia um coração que não batia… Mas não lhe importava tal detalhe. Já o preferia a um coração humano e pulsante! Logo colocou as pernas ao redor do corpo dele, para aproxima-lo ainda mais de si… Aconchegou-se ali.

Minutos depois se desvencilhou do abraço, e o encarou sem nada dizer… Pois sabia não precisar de palavras para o que tinha em mente… Apenas olhou-o fixamente nos olhos, e suspirou enquanto levava lentamente as mãos até os cabelos bicolores, e por de trás da cabeça os juntou com ambas as mãos, deixando o pescoço totalmente livre de ambos os lados. Deixando à mostra as marcas das feridas que ali já trazia.

Luana ainda encarava Solfieri insistentemente… Ainda segurando os cabelos com uma das mãos… Sabia que, mesmo aparentemente saciado, ele não lhe recusaria o chamado. O coração dela palpitante no peito fervia ainda mais o sangue, involuntariamente… Como devia ser. As mãos pareciam tremer de leve, a despeito do olhar obstinado.

Ele surpreendeu-se com a ousadia dela, mas não precisou de nada mais… Encarou-a de volta com a ferocidade sobrenatural costumeira no olhar, envolveu o pequeno corpo e cravou-lhe as presas no pescoço, arrancando dos lábios femininos um gemido abafado… Que desta vez expressava deleite… Ela cerrou os olhos com suavidade.

Dor… Satisfação… Os arrepios de ambas as sensações invadiam intensamente o corpo de Luana… Enquanto aquele gosto mantinha Solfieri satisfeito e cativo como o feitiço mais poderoso do universo, desde a primeira vez que lhe experimentara… 

O sabor do sangue de Lua era ao mesmo tempo doce e intenso… Era viciante! Além de ardente como se ela tivesse fogo líquido nas veias… Ele sorvia onde ela retirara os longos cabelos e onde o ferimento característico nunca tinha tempo sequer de cicatrizar. 

Mas é certo que na vida, assim como nas desilusões ou nas paixões, algumas feridas nunca cicatrizam… Às vezes era mesmo assim que as coisas de fato eram. Esta era a essência de algumas coisas e de alguns sentimentos… O significado de certas emoções.

Ao menos agora Lua voltava a sentir as mesmas sensações de sempre com os dentes de Solfieri cravados em sua carne. Seus olhos cerrados, sua entrega, e o gemido suspirado que escapava uma vez mais de seus lábios era a prova… De como aquilo lhe dava paz! Respirou profundamente e o abraçou com mais força. 

Por mais contraditório ou até mesmo masoquista que isto pudesse soar… Era fato! Mesmo com o risco que sabia poder estar correndo ao fazer tudo isto! Sabia que aquela era sua sangrenta sina, aquela marca estaria sempre ali… Dolorida e paradoxalmente prazerosa, fixa como tatuagem em sua pele… Em seu pescoço, suas veias, seu coração, sua alma… Acontecesse o que fosse. Fosse ela humana, bruxa, ou quem sabe um dia vampira… Tão fria e inumana quanto aquele que instintivamente escolhera seguir… Quando estivesse pronta para tal… E um dia estaria!

***

“Com meu sangue encontrarei seu amor

(…)

Do escuro eu sinto seus lábios

E eu provo seu beijo sangrento “

 

(“With my blood I’ll find your love

(…)

From the dark I feel your lips

And I taste your bloody kiss”

Bloody Kisses – Type O Negative)

*Sobre a autora da história:

Fernanda Miranda é uma autora, fascinada por histórias sobrenaturais, que costuma se descrever bem ao escrever…

“Sou a antítese do paradoxo com premissas de incerteza e períodos de instabilidade…”

Alguém que outrora já fez filosofia e psicologia na universidade, e já organizou e participou de várias antologias literárias com temas insólitos, chegando a ter vários contos narrados semanalmente em uma rádio e um conto publicado numa antologia de Portugal…

Mas no momento — após o apocalipse nosso de cada dia — posta contos e outros pontos na internet para não sucumbir num surto coletivo de realidades estranhas.

[CONTOS]Feridas que Não Cicatrizam – Parte 1/2

Imagem de capa por Érica Farinazzo

 

— Lua, te aproximas! Venha saudar devidamente nosso convidado…

Solfieri naquele momento ignorava o tal “convidado” e apenas observava a moça adentrando o porão, depois de ter ido busca-la no andar superior… Luana mantinha um ar distante, parecia pensativa. Os cabelos negros e lisos da jovem, típicos de sua descendência indígena há muitas gerações, dançavam lhe nas costas enquanto ela descia as escadas… Nos ombros uma mecha grossa e branca de nascença se destacava, mostrando que ela não era exatamente uma garota comum.

Agora ele sabia porque Luana havia demorado, mas ficou intrigado ao vê-la se aproximar com um livro grande e velho nas mãos. Ao notar a inscrição “Métodos Medievais de Tortura” na capa, não conseguiu evitar uma curta risada irônica… Enquanto a garota apenas o ignorava e abria o livro, se pondo a dedilhar o índice. As pontas de suas madeixas caíam por sobre as páginas do livro aberto sobre a mesa.

O “convidado” humano também presente, ainda amarrado e amordaçado em um canto do cômodo, apenas observava o diálogo do estranho par, entre assustado e confuso sem entender muita coisa. Duvidava que aquela garota fosse capaz de lhe fazer algum mal significativo, mas a presença do estranho homem que o raptara e agora estava ali ao lado dela o deixava desconfiado e inseguro. Embora ele soubesse muito bem que possuía motivos de sobra para estar ali, naquela condição…

“Oras, minha querida, para que trouxeste esta coisa…?” — Solfieri apontou com a cabeça para o livro e perguntou projetando sua voz na mente de Luana, sem sequer mexer os lábios, enquanto ela ainda percorria aquelas laudas amareladas com os olhos.

— Preciso me guiar por algo… Não tenho experiência em fazer isto… — a garota respondia sem tirar os olhos das páginas que continuava a folhear.

Solfieri soltou uma de suas risadas maliciosas em tom irônico. Aquele som tinha um tom sinistro, mas Luana apenas franziu o cenho embora sem se exaltar ou sequer tirar os olhos das laudas. Ela não achou graça alguma, e continuava compenetrada.

Em seguida o pálido inumano passou uma das mãos em seu próprio cabelo longo e ruivo, ainda tentando conter o riso… E se aproximou da moça morena que o ignorava.

–Ah, menina, para que precisas desta porcaria!? – ironizava ele, desta vez usando a boca para falar.

–É um livro, não porcaria! — ela olhou-o irritada, ele já não ria.

–…Mas não precisas disto, Luana! Te esqueces que foi para isto que me despertaste? Para ser teu cúmplice enquanto lidas com este traste? – Ele se referia ao humano por ele mesmo capturado.

— Bem… Pode ser… Vou contar com tua ajuda, mas um livro por perto nunca é demais… Luana sentenciou e prosseguiu:

— Aliás, não temos garrote, uma roda suspensa e muito menos uma cadeira inquisitória… Como os descritos no livro… Então, sem nada disto aqui, o que me sugere…?

— Vejamos… Sugiro então que façamos uma evisceração! Pois não precisa destes artefatos, apenas o abrimos e retiramos-lhe alguns órgãos vitais, com ele ainda desperto durante o procedimento… — Solfieri falou descontraído, como se conversassem sobre o tempo ou outra banalidade qualquer… A moça respondia no mesmo tom…

— Não sei… Acho que me sujaria muito fazendo isto…

“Oras, menina… Queres torturar alguém sem te sujares…?” – o ruivo de pele pálida e olhar ferino projetou a indagação na mente dela com visível sarcasmo e um sorriso sutil que mostrava as presas afiadas.

Aquela frase pareceu à garota possuir uma dupla conotação. Ela então suspirou.

Solfieri então fechou repentinamente a capa do livro, interrompendo sua leitura e surpreendendo Luana.  Em seguida ele pegou uma das mãos dela e a encarou até que ela erguesse os olhos para encontrar aquele olhar misterioso e indecifrável fixo nela. Os dedos gelados e alvos ainda seguravam com força a pequena mão morna.

“Primeira lição ao matar: a simplicidade é a real beleza da coisa!” — Luana ouviu claramente a voz de Solfieri ressonante em sua mente novamente.

O par de cúmplices ainda se entreolhavam, agora ambos sérios, quando a mão livre da garota alcançou as ferramentas enfileiradas na mesa ao lado do livro. O olhar masculino e penetrante seguiu o movimento embora a cabeça não se movesse. Os olhos ferinos observavam os dedos femininos enquanto iam passando pelo cabo de cada um dos objetos sem que os olhos da garota deixassem de encarar a face de seu aliado.

Passava pela chave de fenda e pelo machado, chegou a parar no alicate, mas passou em seguida para o cabo da faca, e somente então Solfieri desviou o olhar de volta para Luana e sorriu-lhe. O objeto parecia uma daquelas facas usadas pelos assassinos de filmes de terror antigos. Talvez fosse o que ele queria dizer com “simplicidade”… A mão pequena da moça envolveu o cabo com força. As mãos pálidas e de dedos longos então envolveram as dela em volta da faca enquanto ele ainda a olhava nos olhos.

Após erguer os olhos na direção dos dele uma vez mais com olhar decidido, ela desvencilhou-se de suas mãos, respirou fundo e marchou em direção ao “atípico convidado” de ambos. Tomando cuidado de antes ligar em volume máximo o CD player que havia por ali, com o objetivo de abafar possíveis gritos que pudessem seguidamente se espalhar pela madrugada.

Encarou o homem amarrado com cordas resistentes pelos pulsos e tornozelos, atados a firmes ganchos fincados na parede. Um laço de corda a mais pendia do teto, e mesmo frouxo circundava o pescoço de Ivan, que era um humano visivelmente forte. Solfieri não brincava ao imobilizar um corpo humano, ainda que este fosse mais robusto que o dele. Pois mesmo se tentasse se soltar o maldito se mataria antes, apertando involuntariamente o nó corrediço da corda extra em seu próprio pescoço.

A moça então tirou do humano a mordaça. Ivan tentou mover-se e morder os dedos de Luana, avançando mesmo amarrado em sua direção, forçando as cordas como se repentinamente a força de um ódio selvagem lhe tomasse todo o corpo, a despeito do laço que já lhe apertava o pescoço. O som ora sinfônico ora esganiçado e agudo do álbum Dusk and Her Embrace  da banda Cradle of Filth enchia o ambiente advindo do CD player no chão. Luana achou que combinaria perfeitamente com a ocasião, além de abafar qualquer som inconveniente que o “convidado” fizesse ou xingamento que ele berrasse, o que não demorou a acontecer…

— VADIA DO DIABO! — O homem humano lhe gritava após ela ter se esquivado de sua tentativa de mordida. Só faltava rosnar!

O vampiro que ali estava cumplice de Luana se aproximara, ficando ao lado dela, assustadoramente imóvel. Olhava aquele estrume humano com olhar gélido, em visível intenção de intimidar com sua estatura e seus olhos, embora não fizesse para isto esforço algum. Contudo o inumano mal precisou se manifestar, pois a garota olhava para o humano surpreendentemente sem medo ou nenhuma outra emoção aparente. Sequer recuou diante dele enquanto as ameaças e insultos continuavam e pioravam…

Como Ivan não se calava, logo um soco maciço quebrava a mandíbula do humano blasfemador. Agora ele tentava gritar, mas só produzia estranhos guinchos. A música cumpria bem o intento de abafar-lhe a voz. Luana se chocou por um instante ao ver o que o potente golpe de Solfieri, fizera no rosto do maldito infeliz, mas logo em seguida fechou a cara e manteve-se firme. Ele não merecia piedade! Afinal, mesmo preso o humano já estava ameaçando lhe violentar… Novamente! Como um dia já fizera. Merecia o que lhe acontecia… E muito mais! E ela sequer fora sua única vítima.

aquela garota já estava cansada de ser apenas mais uma vítima indefesa! De quantas ele se aproveitara descaradamente!? As forçava a relações sexuais quando não queriam, as que aceitavam a princípio de bom grado ele as maltratava e humilhava, fingindo ser aquele tipo de atitude deplorável “a coisa mais normal e banal do mundo”.

Luana sabia bem que seu cúmplice estava ali unicamente para ensina-la a torturar e matar. E escolheria qualquer humano para tanto, fosse Ivan apontado por ela ou não. Ao menos era o que ela imaginava, pois lhe parecia o mais lógico a se crer.  Sabia que ele fazia aquilo como uma espécie de prova para saber se ela poderia de fato ser inumana como ele um dia. Sabia bem o que Solfieri era… E qual sua natureza. Porém, após o que passara com Ivan, a garota imaginava que já não tinha porque temer. E se convenceu disto ao não hesitar mais e avançar com a faca em riste, acertando o verme humano bem na coxa, e enterrando a lâmina até mais da metade, com a força de um ódio assustador, que ela mesma desconhecia existir dentro de si.

O urro de dor que o humano soltou não superou o brado raivoso que ela mesma dera com o impulso do golpe, e foi suficiente para fazê-la respirar profundamente como se acordasse de um transe e soltar a faca onde estava: presa na parte superior da coxa do desgraçado que ainda urrava desastrosamente, sentindo dor também em todo o maxilar, ainda pelo soco que recebera antes…

–Não o faça morrer tão logo, Luana… – Solfieri incentivava parecendo se divertir

A moça agora sentia aquelas mãos inumanas e gélidas em seu ombro, encorajando-a a continuar. Sentia-se meio ébria ou coisa parecida… O que era estranho, pois não havia consumido bebida alcoólica alguma nem nenhuma substância que o valesse. Seria toda aquela situação que a deixava daquele jeito? Naquele estado de quase torpor mental…

Lembrou-se então da faca pontuda e afiada, e viu-a ainda estocada no corpo do humano como se os minutos não tivessem passado. Puxou-a, mas ela não cedeu. Não teve força para tirá-la. Ivan guinchava. E Luana abandonou a lâmina em lugar de insistir… Havia tido outra ideia, uma que vira no tal livro anteriormente e correu para consulta-lo.

Estava ainda relembrando vívidas em sua mente seu medo e desespero, após a imensa desilusão com tudo o que aquele humano lhe fizera… Fingindo um envolvimento, fingindo ser um rapaz atencioso no primeiro dia, ao inclusive presenteá-la com aquelas malditas rosas escarlates como sangue, quando haviam se encontrado.

Para depois tentar forçar-lhe ao sexo em seu carro, quando ela negara, e lhe dissera não estar preparada… Afirmara claramente não se interessar por sexo, apenas queria dar e receber afeto na época. Naquele momento ela sentia ainda a tentativa de imobilização de seu pequeno corpo, ante ao do rapaz robusto… A luta angustiante, como ele fizera com tantas… Escondendo-se covardemente numa falsa gentileza romântica.

 

Solfieri havia retirado facilmente a faca enquanto a humana se distanciara em seus devaneios. A hemorragia que ocorrera o havia feito ceder ao instinto, pois lambera a faca no segundo em que a vira com a lâmina tomada pelo rubro líquido… Luana gostou de vê-lo entretido, pois imaginava que ao fazer isto ao menos ele não estaria prestando atenção aos seus pensamentos naqueles últimos minutos.

A garota havia retornado à mesa, e estava imersa em cenas desagradáveis de seu passado não tão distante. O livro novamente aberto a sua frente. Logo deixando-o de lado, agora ela retornava com uma vela em um pequeno castiçal. Encontrou o vampiro ainda curvado e entretido em sorver a ferida do humano, que agora vertia sangue em abundância através da calça de tecido fino.

Luana estava agora totalmente de volta à situação presente, e o vampiro desviou o olhar para ela por um instante sem interromper o que fazia. Enquanto ela notava um olhar de súplica do humano, em sua direção. De repente toda a fúria com que ele a atacara antes havia se esvaído agora numa feição aterrorizada de dar pena.

Contudo a garota apenas sorriu friamente. Teve realmente satisfação ao ver Ivan naquele estado de desamparo… Pois ela sabia que aquele homem não merecia clemência. Era hora de ele pagar por seus pecados hediondos. Ali, naquele momento. E aquela seria certamente uma punição ainda branda. Assim, ela ainda zombou dele…

— Para de fazer esta cara de coitado! Você não se comoveu assim quando elas lhe pediam para parar… Ou choravam porque você as machucava e humilhava! Ou quando EU te disse que não queria aquilo naquele momento, e daquele jeito!

Ela então se aproximou do humano e abriu-lhe os botões da camisa que ele ainda usava, deixando todo o peito e o abdômen nus, e passou-lhe maliciosamente as pontas dos dedos pelo corpo, sem que ele nada pudesse fazer, como ele mesmo tantas vezes fizera com várias moças. Sorriu com sarcasmo ao fazê-lo, olhando Ivan na face, ainda que o nojo de toca-lo e olha-lo a fizesse ter em verdade vontade de cuspir nele… E o fez!

Pegou a faca no chão ao lado de Solfieri, e viu-o retirar o nariz aquilino do ferimento na perna do mortal para só então prestar total atenção nela. Que segurava em uma mão a faca e na outra a vela. Já não sorria. Esquentava a lâmina na chama. Mas o tempo que aquele processo demorava irritou-a, então fixou os olhos na chama um tanto enraivecida e diante de dois pares de olhos — um humano e assustado, outro inumano e admirado — fez a chama crescer sobre a lâmina afiada sem que lhe queimasse, manipulando-a até obter o que desejava. Ambos os homens, humano e vampiro, ficaram espantados com a inesperada habilidade da jovem ao verem aquela chama em suas mãos… Ambos intrigados, aguardando com ansiedade o que ela faria a seguir…

 

CONTINUA…

§§§§§§

 

*Sobre a autora da história:

Fernanda Miranda é uma autora, fascinada por histórias sobrenaturais, que costuma se descrever bem ao escrever…

“Sou a antítese do paradoxo com premissas de incerteza e períodos de instabilidade…”

Alguém que outrora já fez filosofia e psicologia na universidade, e já organizou e participou de várias antologias literárias com temas insólitos, chegando a ter vários contos narrados semanalmente em uma rádio e um conto publicado numa antologia de Portugal…

Mas no momento — após o apocalipse nosso de cada dia — posta contos e outros pontos na internet para não sucumbir num surto coletivo de realidades estranhas.

[CONTOS] Evocação de Lua

Sinopse: Ela atravessou os portões do cemitério naquela noite com um objetivo… E para tanto contaria com uma sombria evocação, tendo a lua cheia por testemunha…

Estava temerosa com o que ia fazer, mas sabia que aquela noite era a única no ano para realizar seu intento — a noite que outrora fora denominada Samhain, quando os portais entre os dois mundos, o sobrenatural e o natural se encontravam espontaneamente abertos.

A lua cheia brilhava alta no céu como sua cúmplice indispensável, e contrastava pálida com o firmamento negro. Tal qual em sua cabeça os cabelos continham o contraste de uma grossa mecha alva de nascença com os fios negros abundantes que lhe desciam pelas costas, como assim fora em toda sua descendência ao longo dos séculos, e o sinal de que não era uma garota comum.

Ela estava convicta do que estava prestes a realizar ali, mas hesitava. Pois os inúmeros túmulos que agora a cercavam possuíam um formato fantasmagórico, iluminados pela luz da lua que trazia sua fria iluminação a todo ambiente.

Repassou pela vigésima vez o ritual, palavra por palavra, gesto a gesto. Havia uma parte realmente difícil. Para a qual precisaria de coragem e sangue frio. Era de fato arriscado!

Palavras decoradas, punhal na mão… Vela negra de sete dias fincada no chão diante da grande cruz de pedra no meio da encruzilhada central daquela necrópole deserta. O ciclo lunar estava correto, na data propícia… Era chegada finalmente a hora.

 Usou um fósforo para acender a vela cuidadosamente. Em seguida ergueu os braços e começou a dizer as palavras, primeiro em português, depois em latim… Dizia frase por frase em cada idioma, como prescritas as instruções que tanto decorara… Como uma ode aos seres invisíveis.

Antes de proferir a última parte do feitiço olhou para o punhal. Havia chegado à parte mais complicada, porém fundamental para o intento. Colocou a lâmina em posição. Respirou fundo. Não teve coragem de primeira… Tentou uma vez mais… Não conseguiu.

 “Já vim tão longe… Não posso desistir agora!” — pensou.

Olhou para a lua, como se lhe pedindo forças… Precisava mesmo ser forte agora! Colocou a ponta da lâmina no lugar mais uma vez. Ambas as mãos tremeram, mesmo assim sua determinação era de ferro!  Então ela fechou os olhos e enterrou fundo a ponta da lâmina no pulso esquerdo, trincando os dentes com a dor, e em seguida sentindo os olhos marejados fez o mesmo no lado direito.

Sentiu muita dor e certo nervoso quando o sangue escorreu pelas mãos… Perdeu a firmeza nos dedos e o punhal foi ao chão. Porém a parte dele estava feita. A pulsação acelerada juntamente com os batimentos cardíacos fizeram o sangue fluir  através dos furos e logo gotejar pelas pontas dos dedos. Ela então deixou o rubro líquido aos poucos cair na vela de chama acesa e bruxuleante a sua frente.

Trincou os dentes mais uma vez pela dor persistente nos pulsos… Em seguida respirou profundamente e voltou à posição evocativa, erguendo as mãos manchadas de sangue e a cabeça, e proferindo a última parte do encantamento…

— Pelas forças do universo, sejam elas boas ou más, que com este sangue aqui derramado os portões do inframundo sejam abertos e se ergam aqueles que lá não devem mais vagar! Pela mandrágora que jaz em minha alma… Eu vos evoco ao retorno!

O coração palpitou ao dizer aquilo em voz alta, praticamente num brado. Mas ainda repetiu as frases ritmadas em latim… Como passara dias a decorar. E então não aguentou mais a dor, sentiu uma vertigem e caiu de joelhos.

Enquanto gemia uma ventania maior pode ser sentida… Olhou para a vela a sua frente e podia jurar que a chama estava completamente negra. Já era incrível o bastante o fato de ela não se apagar com o vento.

Olhou para o firmamento, e as nuvens haviam tomado a lua. Sua testemunha maior a havia abandonado! Então esperou… Esperou alguns minutos. E nada mais aconteceu. Decepção!

Levantou-se com um nó na garganta e ainda sentindo tonturas. Apenas o som do vento se fazia presente ao seu redor. Fechou os olhos tentando manter a calma, pois o coração já se apertava em meio a toda aquela escuridão que a cercava… O ritual não havia dado certo.

Nos minutos em que lamentava se viu coberta novamente pela pálida luz da lua, que abandonava as nuvens e reinava de novo cheia e soberana no céu noturno. Via-se agora na penumbra de antes. Nela olhava solitária para o cemitério à sua volta, o contorno dos mausoléus e demais sepulcros ao luar.

Olhou mais uma vez em volta e não viu sinal de ninguém. Cerrou os olhos e fechou a mão em torno de um dos pulsos feridos, enchendo-a de sangue. Mas quanta loucura! Talvez fosse isso. Talvez estivesse apenas enlouquecendo…

Foi quando escutou algo… Passos! Nitidamente aquilo era o som de alguém ou algo se aproximando. Sobressaltou-se e ergueu a cabeça. Cada veia de seu corpo se enchendo de adrenalina. Olhou em volta em todas as direções, espantada… O coração acelerou num solavanco, sem que pudesse ordenar que ele se aquietasse.

 Espantou-se ao ver todo o chão tomado por uma densa neblina. O coração de tão acelerado que não cabia no peito, batia com tanta força que deixava sua respiração pesada. E então algo a fez arrepiar-se dos pés a cabeça, e sentir as pernas tão bambas que não conseguiria fugir, ainda que o desejasse.

 Agora via uma figura caminhar imponente em sua direção. Um homem alto, os cabelos aparentemente longos em meio ao luar, o sobretudo preto tão esvoaçante entre a misteriosa névoa quanto a saia de seu vestido. Sua respiração parecia suspensa enquanto o via se aproximar caminhando pela aleia central da necrópole em sua direção.

Ela agora segurava a respiração na garganta, o coração enlouquecido… Não sabia o que fazer ou dizer. Pois o homem bem mais alto que ela estava agora ali, bem na sua frente… Ficou ali parado. Assustadoramente parado.

O homem a observava com olhos vermelhos que se destacavam de modo sobrenatural na penumbra, semelhante ao efeito que teriam no escuro olhos de um gato. O que lhe dizia que aquele ser não era humano.

A garota notou ao luar que os cabelos do inumano pareciam avermelhados, embora em tom bem mais claro que os olhos, que eram escarlates rutilantes. Ela havia feito aquele ritual buscando exatamente despertar seres como ele, mas talvez não acreditasse totalmente que isto pudesse realmente acontecer daquela maneira tão concreta.

Por reflexo colocou rapidamente as mãos trêmulas e ainda com sangue para trás das costas. Engoliu em seco ao levantar a face para encara-lo. Tremia inteira, mas mantinha o semblante sério, expressão neutra… Enquanto aqueles olhos ferozes naquela face pálida a examinavam de perto. A olhavam como se pudessem penetrar sua alma… E talvez pudessem.

— Luana… És uma bruxa?   Talvez… Sem muita experiência…   Ainda assim vinde cá sozinha despertar-me… Sois valente!

Luana não conseguiu responder. Apenas ficou ali imóvel enquanto aquele ser a chamava pelo nome e parecia ler seus pensamentos… Então a surpreendendo, e trazendo seus batimentos cardíacos para a garganta mais uma vez, ele curvou-se e aproximou-se dela, o rosto bem próximo ao seu, onde se pôs a sentir seu cheiro como quem se detém ante um odor muito atraente.

Quando se deu por conta suas mãos ensanguentadas já estavam nas dele, que as tomava firmemente de modo altivo, entre os dedos frios e longos de criatura da noite. De olhos fechados o ser se ajoelhara para sentir o delicioso odor do néctar rubro que ainda se fazia presente na pele quente e morena daquelas mãos femininas.

Ela viu-o levar seus dedos ensanguentados à boca ferina, onde o luar lhe permitiu ver claramente que os dentes caninos dele eram protuberantes. Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, ou mesmo sentir-se desconfortável o vampiro passou a degustar-lhe cada dedo por onde seu sangue havia passado.

Luana cerrou os olhos. O busto dela começou a subir e descer involuntariamente enquanto  se arrepiava ao sentir a língua gelada e úmida passear-lhe pelos dedos repetidas vezes, um a um e em seguida nas palmas ensanguentadas e se demorar.

Após praticamente limpar todo sangue das mãos dela, ele chegou rápido em ambos os pulsos ainda feridos… Passou a boca demoradamente  em ambos, e a moça arrepiou-se inteira. Mas repentinamente sentiu-se curiosa em saber qual dos ferimentos ele de fato escolheria para sugar. Imaginava ser logicamente este seu próximo passo.

Mas nada sentiu. Abriu os olhos e viu que ele agora a olhava a face a face,  ainda segurando-lhe os pulsos feridos, sem optar por um. Então ele ergueu-se, segurou-lhe o queixo olhando-a nos olhos, e afastou seu cabelo inusitadamente. Com um movimento rápido agora lhe tocava o pescoço, calado enquanto a ansiedade dela aumentava cada vez mais a cada gesto, ainda que já imaginava o que viria a seguir…

Luana respirou profundamente enquanto em instantes aquele ser entranhou os dedos longos e frios sob os cabelos de sua nuca fazendo-a arquear a cabeça para trás, imobilizando-a, e penetrou os caninos salientes em sua jugular.

Sentiu uma tênue dor aguda quando ele rompeu a carne. Ela gemeu baixinho e prolongadamente, quase num sussurro. A jovem bruxa não havia resistido nem um pouco, estava cativa nos braços da fria criatura… Ela apenas sentia as presas dele em sua veia.

 Queria de fato aquilo, e havia admitido isto para si mesma… Agora mordia o lábio e arfava ao sentir que ele a sugava. Os olhos marejavam involuntariamente. Aquela dor doce e gloriosa, acompanhada de um intenso arrebatamento… Sentia-se ser exaurida por ele.

A morte gélida e piedosa… A sensação era mais intensa do que imaginara. Assustava um pouco. Tentava relaxar e sentia dor e deleite  ao mesmo tempo enquanto ele lhe sorvia lentamente… Lenta e profundamente. Estava totalmente entregue, e sentia-se arrepiar todo o corpo enquanto ele fazia sugar-lhe vida.

O sangue lhe fervia, apesar do medo de que ele o fizesse até que seu coração, naquele momento batendo tão forte, parasse de bater. Lhe arrepiava de medo pensar que isto de fato  era quase uma certeza.

Contudo tal temor se contrastava com uma crescente excitação que ela mal podia conter. Era totalmente diferente de qualquer outro modo que escolhesse para falecer… Ela realmente queria aquilo apesar dos receios!

Sabia que estava provavelmente há alguns minutos da morte, mas havia entrado em um tipo de transe tétrico. Havia ido àquele cemitério naquela noite com o exato intuito de evocar aquela criatura com tal propósito…

 Dar sua vida humana àquela entidade sobrenatural regozijar-se com a intensidade daquele ritual, e assim poder juntar-se aos espíritos de suas antepassadas naquela noite de Samhain… Ou simplesmente tornar-se um ser noturno como ele, se sobrevivesse.

Mas qual dos caminhos o destino tinha reservado para Luana naquela última noite de outubro, apenas a lua cheia, poderia por fim saber. A pálida testemunha celeste de tudo o que acontecia naquele cemitério, à medida que a madrugada avançava e com ela todo o mistério daquela noite arrepiante.

 

 

***Há uma versão em audioconto deste conto, pois foi narrada pelo locutor Sérgio Pires, na Rádio rock Putzgrila de Porto Alegre, em um dos quadros do programa Creepy Metal Show em 02 de novembro de 2020.

*SOBRE A AUTORA:

“Nem profissional nem amadora, apenas diletante enquanto autora…”

Diz sobre si Fernanda Miranda, fascinada por histórias sobrenaturais, que costuma usar a escrita para me esvaziar dos meus piores medos, incômodos e conflitos. Tem interesse em mitologia e profundo amor por música alternativa e poesia — as quais busca até nas coisas mais banais… Idealizou e organizou a antologia vampírica “Pesadelos Escarlates”, com prefácio de Adriano Siqueira, e co-organizou a antologia “Bruxas” com a poeta Fernanda Mothé, pela Darda Editora… E organizou mais recentemente a antologia anual “Devaneios Cemiteriais”, pela editora Círculo Soturnos. Publicou também um conto na antologia anual “Almanaque Steampunk”, pela editora lusitana Divergência e vários outros em outras editoras brasileiras. Prefaciou também as antologias “Encantados”, “Sede Imortal” e “Eles Existem”. Para saber mais, acesse @nandadiletante

 

NT.: Este conto é uma versão alternativa do conto SANGUE DE LUA, publicado na antologia PESADELOS ESCARLATES, pela editora Darda.

[CONTOS] Donzela de Ferro

O conto a seguir possui um clima retrô e faz inúmeras referências à uma certa banda cujas músicas nunca envelhecem, e cujos acordes de fato levantariam os mortos! Tente reconhecer as referências antes que VOCÊ mesmo esteja morto!

Ao abrir os olhos ela se encontrava um tanto sonolenta… Só via escuridão… Sentiria o medo do escuro? Certamente não, apesar de se encontrar no limite das trevas. E por tantas e tantas vezes sempre voltava a dormir porque ceder àquele estado permanente de torpor era melhor que sentir a dor aguda entre os seios e a fraqueza que a tomavam por inteiro, impedindo-a de se mexer sempre que pensava em tentar. Já perdera as contas de por quanto tempo se encontrava deitada ali. Mas desta vez era diferente…

Escutava, embora muito ao longe e abafado, um certo som. Uma música. Que reconheceria de fato se a estivesse escutando do próprio inferno… Como se ouvir aquilo fosse seu próprio santuário! E a cada nota vibrante e distante que ia tocando, ela pensava se aquele som ainda tão tênue não era apenas sua lembrança de outrora lhe pregando uma peça. Estava relembrando seu passado ou de fato aquilo estava mesmo chegando até ali? Aliás, aonde era “ali” mesmo…? E quanto tempo havia mesmo se passado…? Seria melhor se pudesse relembrar amanhã.

O que poderia garantir que ali aonde estava não era de fato um tipo de inferno? Ou purgatório… Parecia que sim. Pois novamente aquela dor excruciante tão próximo ao coração a mantinha imóvel… Aquela maldita dor! Parecia que o próprio coração latejava.

Havia algo fincado em sua carne próximo à ele. Contudo ele definitivamente não estava tão morto! Estaria vivo depois da morte… A prova disto era como parecia senti-lo bater feliz ao escutar aquelas canções, como se elas nunca a tivessem deixado. Mesmo que parecessem tão distantes, e mesmo que seu coração já não batesse há tempo.

Poderia mesmo sentir aquilo? Ou era coisa de sua mente…? Aliás, não sabia como podia ainda manter a própria mente viva naquela situação, estando ali por incontáveis dias e noites… Definitivamente aquele som ainda um tanto distante à despertava, fazia sua mente e sua vontade queimarem vivas. Como uma ambição ardente! Definitivamente ambicionava sair dali. Tentando resistir à dor como nunca antes conseguira. E assim tentou levar a mão ao peito… Em vão.

Logo notou que o lugar era muito apertado… Então, se esforçou para desconcentrar-se da dor e reunir forças para quebrar aquela prisão claustrofóbica. Aquela música distante ajudava de modo incrível. E logo percebeu que teria que empurrar. Esperou mais uma canção, como se a absorvesse. Queria estar correndo livre ou perambulando fora dali! Então respirou fundo, fechou bem os olhos e a boca e em seguida empurrou tudo de uma vez… Sequer pôde ouvir se aquilo fez barulho ou não.

Empurrara a tampa do caixão e toda a terra que se encontrava sobre ela de uma só vez utilizando toda a força que lhe restava, como se a explodisse sua sepultura de dentro para fora. Porém não conseguia se levantar do esquife, devido a estaca fincada entre os seios que ainda a prendia de certa forma. A dor era muito forte, porém agora podia escutar aquele som claramente. E isso era um bálsamo! Fazia tudo valer a pena…

Agora se concentrava precisamente no som que ainda tocava e chegava melhor até ela com o seu túmulo aberto, para ir retirando aos poucos a estaca do peito ainda deitada, apesar da imensa dor. Quando finalmente conseguiu respirou profundamente mais como um velho hábito há muito esquecido, apesar do ar nos pulmões não lhe fazerem falta e se sentou, logo depois num instante pulou para fora da cova. Em seguida, já de pé cambaleou um pouco…

Nem podia ver o enorme buraco que aquele pedaço de madeira deixara entre seus seios, caiu de joelhos, sentia fraqueza… Mas ainda assim levantou. Os olhos voltavam à exibir o mesmo brilho avermelhado de sempre, e se iluminavam sutilmente na penumbra. Aqueles acordes musicais tão familiares que continuava a ouvir ajudavam de modo relevante em sua força de vontade para prosseguir. Não importava que se sentisse como uma estranha em uma terra estranha.

Liberdade! Finalmente sentia o vento da noite em seus cabelos novamente, e o luar que banhava sua pele pálida. Ela se deliciava com aquela música vibrante que ecoava pelo cemitério deserto e escuro… Alimentando sua mente. E por que não dizer, sua alma…? Apesar de sua condição, realmente parecia que aquela maldita possuía uma alma capaz de ser tão alimentada por aquelas músicas.

Porém seu corpo também precisava de alimento! Constatara que estava faminta, contudo seu coração estava apenas ferido, não gravemente ao ponto de eliminar sua existência, mas de lhe causar um indesejado hiato de consciência. E através disto parecia precisar de sangue mais que nunca para conseguir se cicatrizar e sobreviver… Possuía diante de si um admirável mundo novo. Anos haviam se passado? Seriam décadas…?

Walkíria escutou um estalo que interrompeu-lhe os pensamentos… Então tratou de olhar em volta e viu o rádio gravador aonde tocava a fita cassete com aquelas músicas. Notou que o estalo indicava que o primeiro lado chegara ao fim, e se aproximou lentamente, virou-a e colocou a tocar novamente. O aparelho ainda possuía pilhas suficientes para tanto, aparentemente.

Então ela não havia ficado trancada naquele caixão por tanto tempo afinal, pois toca-fitas movidos à pilha e fitas gravadas ainda existiam enquanto ficara adormecida, naquele exílio inocente. Mas agora teria outra vida.

Conhecia muito bem aquela banda e sabia que as canções ali gravadas em K7 eram dos primeiros LPs. Contudo já nem sabia há quanto tempo não escutava aquilo. De repente era como se o tempo sequer tivesse passado para ela. Era como aqueles acordes a faziam se sentir, ainda que já não fosse humana. Quantas lembranças… Repentinamente interrompidas por sua gana de sangue fresco, que aumentava.

Deduziu que se havia ali aquele aparelho, haveria alguém. Com sangue nas veias o suficiente para garantir sua sobrevivência! Então do outro lado da aleia lá estava. O dono do gravador, aparentemente cochilando sentado ao chão, recostado à um sepulcro de mármore. Com uma garrafa de vinho vazia numa mão, um crânio humano já um tanto envelhecido e amarronzado na outra, algumas pontas de cigarros caseiros ao chão e uma mochila jeans rabiscada largada ao seu lado.

Mesmo com a penumbra da necrópole iluminada apenas pela lua, com seus olhos quase iluminados repentinamente, ela observava tudo com nitidez. Percebeu que a caveira segurada pelo moço parecia usar… óculos escuros…? Sim, era isso mesmo. Walkíria então riu do que via, chegando a inclinar a cabeça para trás em sua primeira gargalhada satírica depois de que fora confinada. Ao mesmo tempo observou a lua no céu noturno, sentiu uma tontura, e teve uma vertigem.

Parou de rir e notou que não conseguiria manter-se de pé por muito tempo sem beber o rubro néctar, essencial para sua obscura existência, e logo caiu de joelhos pela fraqueza. Esfregava os olhos um tanto confusa, mas eles continuavam embaçados. Logo via-se rastejando… Levantando se pegava apalpando a si mesma e cambaleando. Contudo conseguiu engatinhar até se aproximar do rapaz, retirou os objetos de suas mãos e o tomou nos braços recostando-o ainda adormecido em seu colo.

Ela sorriu pela coincidência da exata canção que tocava no gravador naquele exato instante. E ainda cantarolou alguns trechos para sua vítima adormecida apesar da sede que sentia… Sorrindo sentada com o rapaz desacordado nos braços como se o “ninasse”, acariciando seu pescoço com uma unha antes de mordê-lo. Aproximava a face devagar cantarolando baixinho em seu ouvido, sentindo sua respiração quente bem de perto e a pulsação de suas veias…

“Eu só quero ver seu sangue… A donzela de ferro quer você morto”…

Mordeu-o e se pôs então a beber o sangue ainda com resquícios do vinho, lambendo o que escorria pelos orifícios feitos por seus caninos pontiagudos no pescoço do humano. Sem desperdiçar uma só gota, tal qual uma legítima descendente dos seres outrora advindos de uma lendária Transilvânia. Ela sorvia com vontade por alguns minutos, saboreando o doce líquido escarlate e matando sua intensa sede.

A vítima apenas resmungou um pouco. Porém sequer despertou antes de morrer. Ela se deliciava com a sensação do sangue quente em sua boca após tantos anos sem sentir isto. Bebia sem pressa, saboreando… Sentindo a morte vir aos poucos buscar sua vítima enquanto aquele sangue à mantinha dali para a eternidade.

Uma vez alimentada ao menos por hora, Walkíria se pôs a abrir a mochila do rapaz que lhe servira de refeição, encontrando dentro dela uma página de jornal e alguns panfletos que a fizeram constatar que estivera enterrada por mais de uma década… Apesar da pouca luminosidade, seus olhos noturnos não pediam claridade para que pudesse ler com nitidez.

Ouviu que a próxima música no toca-fitas tocava numa cadência lenta e estranha, que estragava os belos acordes e a energética voz do vocalista de modo que agora lhe soava irritante, pois era no mínimo um sacrilégio escutar um clássico musical deformado daquela maneira. Com sua habilidade vampírica de mover os objetos sem ter de tocá-los ela desligou o aparelho contrariada, visto que aquilo significava que as pilhas davam sinal de desgaste.

Agora no silêncio que jazia naquele cemitério na calada da noite, Walkíria voltou a investigar a mochila e encontrou também algo que a surpreendeu um pouco: havia três caixinhas de um material semelhante ao das caixas de fitas cassete. Que a moça vampira logo entendeu se tratarem de dois pequenos discos. Pareciam LP’s diminutos… Ela logo identificou serem da mesma banda que tocava na fita cassete do gravador. Se pareciam um pouco com os LP’s de vinil que ela mesma tivera quando fora humana… “Mas por que tão pequenos!?” — Pensou.

Ficou curiosa, porém preferiu guardá-los de volta na mochila, pois com seus olhos que não pediam por luz, olhou o relógio no pulso do recém-morto e viu que marcava 2 minutos para a meia-noite. A madrugada já entrava em cena e não queria amanhecer ali na necrópole. Precisava buscar um local seguro fora dali para quando o sol chegasse em algumas horas.

Só então reparou que a estampa da camisa preta que sua vítima vestia era uma das capas dos discos, que deveria ter sido lançado em seus anos de clausura. Logo sorria então alegremente enquanto a retirava do corpo desfalecido do humano, estendendo-a para si em seguida afim de vê-la ao luar… Após instantes olhou de volta para ele e comentou sorridente e irônica:

— Você não vai mais precisar disto, não é querido…? Então não se incomoda em me dar, né!? Vai ficar bem melhor em mim!

Contudo Walkíria ficou de fato profundamente feliz foi ao descobrir pelo jornal que a tal banda, cujas músicas tocavam em seu sofrido retorno, a quem tanto amara quando ainda humana e visivelmente ainda a amava agora, participaria no dia seguinte de mais uma edição do mesmo festival em que ela mesma estivera presente, com uma amiga um dia, há mais de uma década… Antes 1985, agora 2001!

Pegou então o crânio que encontrara com o rapaz, segurou-o em uma das mãos como se ele a olhasse de volta através dos óculos escuros fixados nas órbitas dos olhos, e se pôs a conversar como se ele pudesse ouvir…

— Ir ou não ir? Eis a questão… Se bem que uma questão fácil demais, não é querido “Eddie“…? É claro que vou! Hum… Gostei disso… Vou te chamar de Eddie! Acho que combina com você… E vou te levar… Como teu amigo não vai mais, eu estaria sendo cruel contigo se te deixar aqui!

Riu para a caveira e colocou então “Eddie” ainda com os óculos, e também o jornal dentro da mochila. Vestiu por cima de sua roupa a camisa que retirara do morto. Retirou a fita do gravador e guardou-a.

Walkíria nunca esqueceria de como as músicas contidas naquela fita K7 haviam ajudado a trazê-la de volta à sua noturna existência.

Correu até seu próprio túmulo recém aberto, pegou a estaca que retirara de seu próprio corpo e se curvou sobre o sepulcro ao lado tocando a pedra que demarcava o mesmo. Poderia ser como muitos naquele cemitério, marcados com o sinal da cruz, mas ali jazia apenas uma grande pedra como era na sua própria sepultura e nas demais à sua frente. Naquela que sentia ser a da amiga Rebecca, ajoelhou-se segurando a estaca, esperava que de alguma forma a companheira de outrora pudesse lhe ouvir…

— O que foi que um dia eu te disse, Becca!? Eu disse que eles voltariam, não é…? Este dia chegou e eu vou estar lá! Apenas lamento muito por você ter de ficar aqui. Tenho sangue suficiente apenas para mim mesma… Preciso sobreviver! Não posso te trazer de volta agora. A nenhum de vocês…

Olhava naquele instante para os outros quatro túmulos com pedras como lápides, enfileirados lado a lado, enquanto falava… Jaziam ali os membros de seu antigo bando de noturnos assassinos… Todos ali ainda enclausurados em caixões enterrados, como ela mesma estivera, entre sonhos infinitos e sonhos de reflexão que lhes minavam toda a sobriedade psicológica… Se tornando por vezes pesadelos macabros, enquanto sonhavam apenas em preto e branco sem poder acordar e acabar com aquilo. Queria poder salvar ao menos Rebeca…

Neste instante olhou fixamente para outra daquelas pedras, fincadas ali. Sentiu então algo por alguém em outro dos túmulos improvisados… Outra pessoa que lhe havia sido marcante também jazia ali próximo, além da amiga. Sim, o cruel Átila também estava enterrado ali. Tinha esperanças de que ao menos ele houvesse escapado, pois não acreditava que tendo ele tanto poder alguém o faria sucumbir. Aquele que lhe dera o “presente das trevas” tornando-a o que era, e ele também fora seu consorte de outrora…

No entanto, teria sido amor desperdiçado ou a tênue linha entre amor e ódio o que sentira por ele…? Não tinha tempo para pensar nisto! Aliás, nunca tivera tempo para sentimentalismos, e não queria ter agora… Sabia que não seria da natureza de Átila se importar com ela se fosse ele o liberto, achou sensato pensar de modo semelhante. Contudo Walkíria suspirou profundamente ainda olhando aqueles túmulos… Quantas lembranças!

Após alguns minutos usou telecinesia para colocar o humano morto em seu lugar, em seu próprio sepulcro, e arrumar tudo como se nada tivesse acontecido. Não poderia arriscar que os mesmos que a haviam posto ali descobrissem facilmente que ela havia conseguido escapar. Após alguns minutos usou seus poderes para colocar o humano morto em seu lugar em seu próprio sepulcro, sem a necessidade de sequer tocá-lo, e arrumar tudo como se nada tivesse acontecido sem também sequer sujar-se de terra. Não poderia arriscar que os mesmos que a haviam posto ali descobrissem facilmente que ela havia conseguido escapar. Após executar a tarefa voltou a falar como se conversasse com a amiga Rebecca enterrada…

— Becca, amanhã estarei naquele show por nós duas! E depois buscarei aliados… Não importa quanto tempo leve! Acho que não podemos ser os únicos vampiros do mundo… Vou ficar mais forte… E sobreviver por todos nós! Um dia esta mesma estaca encontrará o coração de quem tentou destruir o meu com ela! Eu prometo!

Walkíria segurava com força a estaca que retirara do próprio corpo enquanto falava, e pensava na irmã gêmea com rancor… Onde ela estaria…? Fora do cemitério? Era bem provável. Iguais na face, mas tão diferentes em todo o resto. Aquela certamente nunca havia experimentado a sensação de ficar presa em um caixão por anos… Mas se dependesse de sua sede de vingança experimentaria.

Depois a vampira conseguiu colocar o pedaço de madeira pontudo também na mochila jeans e esta nas costas… Sentiu o vento da madrugada e com ele o som de morcegos não muito longe. Repentinamente em seguida ela olhou em volta, e viu somente a escuridão… O cemitério ermo e tranquilo, onde uma fria brisa soprava em seus cabelos.

Buscou escutar alguns morcegos que estavam agora mais próximos, os convocou e eles logo a rodeavam em voos rasantes ao seu redor… Se comunicou com eles mentalmente, como lhe era hábito antes dos anos abaixo da terra. Os mamíferos alados voavam em bando ao redor dela como pássaros noturnos. Como se saudassem uma semelhante… Walkíria sorriu.

Contudo entre eles não via seu antigo amigo alado, Leech… O seu fiel morcego-amigo de tantos anos atrás. Reparava haver entre eles alguns filhotes, e concluiu que se tratavam de uma nova geração.. Leech já não estaria mais ali… Estava sozinha! E era assim que teria de seguir seu caminho. Fosse rumo ao festival de rock no dia seguinte ou fosse para qualquer outro rumo que a calada da noite a levasse depois disto.

“Vou pegar minha música até não poder mais… Vou continuar vagando, vou cantar minha música…” — Walkíria cantarolava mentalmente aquelas frases em inglês, idioma a qual aquela música pertencia… Aquele era o trecho favorito de uma das músicas que a haviam despertado. Cantava para si enquanto atravessava os portões do cemitério, só e com a mochila jeans rabiscada nas costas, pois era em sua sobrevivência e em versos como aqueles que se agarraria para prosseguir seu caminho, fosse qual fosse.

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NT.: Os trechos e palavras em itálico ao longo do texto correspondem a referências explícitas à músicas antigas e outros elementos da banda IRON MAIDEN…

Há vários títulos de músicas traduzidos ao longo da narrativa e incorporados à ela, alguém saberia lista-los? Fica o desafio…

Direi apenas algumas referências, mas são MUITAS:

(1) Trecho traduzido de The Clansman
(2) Trecho traduzido de Prowler
(3) Trecho traduzido de Iron Maiden, a música título da própria banda…
…As outras deixarei para quem queira topar o desafio de continuar nos comentários, pois são muitos! Há inclusive uma referência rápida ao próprio mascote do Iron Maiden… Para quem não conhecer a banda e suas músicas mais antigas o conto funciona como uma ótima fonte de incentivo para que busquem este legado. Pois é o que tais canções representam para o heavy metal e para o rock em geral…

(4) Neste trecho a vampira Walkíria descobre que cd’s existem! Embora ainda não saiba o que são e como funcionem exatamente… Estamos nesta história em 18 de janeiro de 2001, um dia antes do grande show feito pelo IRON MAIDEN no dia 19 durante o Rock-in-rio ainda na antiga cidade do rock. Walkíria havia sido enterrada em 1987, os CD’s lhe são novidade porque só haviam k7’s e lp’s em sua época original.

(5) O festival onde Walkíria havia ido com a amiga no passado era o Primeiro Rock in Rio, que foi em 1985… E a camisa que ela pega do novo defunto de quem se alimentara era da capa do álbum Brave New World, lançamento em 2000.

(6) Eddie é o nome do famoso mascote zumbi do Iron Maiden, que estampa as capas dos albuns e praticamente tudo o que leva o nome da banda…E no Rock In Rio de 2001 realmente um cara levou um crânio de óculos escuros para o show, ele foi visto por locutores da rádio Cidade que comentaram o fato e a caveira pode ser vista atirada no palco e segurada por alguns instantes pelo vocalista Bruce Dickinson durante a música “Run to the Hills”.

(7) Trecho traduzido de Dream of Mirrors, minha letra favorita da banda! Não podia faltar a menção…

(8) Trecho traduzido de Drifter, do segundo álbum, onde creio que Steve Harris ao compor falava de sua própria trajetória e carreira da banda até aquele momento, e de como “precisava que tudo desse certo para continuar”…Pelo visto deu mesmo! \,,,/ $

CURIOSIDADES BÔNUS:

*Walkíria pertence à um livro cujo “prólogo” foi publicado muitos anos atrás, o NA CALADA DA NOITE, escrito originalmente no ano 2001… Menciono a expressão “Calada da Noite” duas vezes no conto como referência para quem o conhece também… E o conto faz referência também aos Rock in Rio´s de 1985 e 2001… A Walkíria, aliás, esteve em ambos no decorrer de sua história completa! Acho que deu para notar nesta narrativa que é algo que ela aprecia tanto quanto sangue…

*Uma versão editada e reduzida deste conto foi narrada pelo locutor Sérgio Pires, na Rádio rock Putzgrila de Porto Alegre, em um dos quadros do programa Creepy Metal Show em 23 de novembro de 2020.

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[CONTOS] Manchas de Sangue

Neste DIA MUNDIAL DOS VAMPIROS um pequeno conto para gelar o sangue…

Designer de capa ÉRICA FARINAZZO

Ele caminhava na estreita rampa, um tipo de passarela que margeava por fora todo o prédio de quatro andares, vinha do terraço até o térreo.

O jovem caminhava com seus fones de ouvido despreocupado e indiferente ao fato de que ninguém parecia descer por ali àquela hora da madrugada.

Aquelas rampas continham um ar sinistro pois não se via mais nada além da passarela de concreto acinzentado e as grades quadriculadas de ambos os lados, por metros à fio de cima a baixo, fazendo aquela estrutura assemelhar-se de algum modo à uma gaiola.

Então de repente, olhando para o chão o moço viu algo estranho: parecia que alguém havia entornando ali um escuro líquido, que havia escorrido seguindo o caimento da rampa… Se assemelhava muito à manchas de sangue já ressecadas que tingiam o cimento…

Ao menos era o que aquele rastro parecia na parca luz artificial de um alto poste próximo, que  iluminava sutilmente… Seriam mesmo manchas de sangue?

De repente sentiu alguém se aproximar atrás de si, interrompendo seus pensamentos. Seu coração deu um solavanco repentino e ele decidiu não ficar ali para descobrir o que tingia o chão.

Tratou de descer com mais velocidade, embora não corresse. Respirou fundo. O som de uma banda de rock oitentista qualquer estava ali naquele momento nos seus ouvidos para tentar tranquiliza-lo.

Apalpou o aparelho pendurado no bolso grande de trás da calça jeans… E se aquela fosse a última música que ouviria na vida? Seu sangue gelou por um segundo… Ele engoliu em seco.

Mas então pensou… Quanta besteira! A sensação de que havia mais alguém ali era com certeza apenas mais um transeunte descendo a passarela como ele. Algo normal e corriqueiro. Não tinha o que temer, certamente estava imaginando coisas e se impressionando à toa.

Um trovão ribombou, ele parou por um instante e riu do susto de levou. Mal tinha notado que o tempo mudara… Se sentia dentro de um filme de horror da mesma época das músicas que lhe invadiam os ouvidos pelos fones agora. Mas se uma tempestade estava à caminho, precisava se apressar…

Ainda não cruzara com quem quer que estivesse por ali também, correndo o mesmo risco de ficar ilhado pelo iminente temporal. Então olhou para trás em busca de ver se realmente havia alguém, já estava mais confiante.

Viu um homem aparentemente de sobretudo, que caminhava devagar, e se aproximava.

Na certa um gótico de cabelos longos qualquer. Pois podia ver já de certa distância como era pálido. Sabia como aqueles tipos adeptos de tal subcultura tinham fama de odiar o sol… Tal como vampiros.

Ele sorriu. Pois achou estranho pensar naquele detalhe de repente. Mas logo ficou sério e deixou de achar graça em sua situação.

O gótico era bem mais alto, e apesar de esbelto o intimidou pensar que o seguia ali. Afinal, sabe-se lá o que poderia estar trazendo sob aquela vestimenta longa e escura… Talvez nada, mas a mente estava fértil pela desconfiança.

Estava próximo à uma das curvas da passarela e pensou ficar parado e deixar o ruivo cabeludo passar para sua frente, apesar do espaço estreito. Se sentiria mais seguro talvez, se não mais o tivesse a suas costas.

De repente sentiu um arrepio e o sangue chegou a lhe gelar mais uma vez, pois tornou a olhar e notou que o homem de sobretudo não estava mais lá…

Quando ele o havia ultrapassado? Teria de te-lo visto passar… E ainda daria para vê-lo se tivesse voltado em direção contrária.

A confusão mental se instalara… Olhava para as grades laterais que fechavam toda passarela buscando respostas, pois seria impossível aquele estranho homem ter pulado… Não havia sequer abertura nas grades.

Quando repentinamente viu um morcego dar um voo rasante quase roçando sua cabeça. Ficou um pouco ofegante com o susto. Riu e esfregou os olhos por alguns instantes, só podia estar imaginando coisas!

Até que olhou em seguida para a parte mais alta da passarela e o coração lhe saltou pela boca…

Um novo susto maior chegou a lhe fazer suar frio, pois viu que o cabeludo estava lá novamente,  como se houvesse voltado de lugar nenhum, parado a observa-lo. Assustadoramente parado…

Pensou falar com ele, mas aquela figura alta e pálida lhe parecia mais soturna que os outros góticos que já conhecera. Se é que ele era um! O calafrio na espinha ao olha-lo nos olhos fez disparar um alerta interno de sobrevivência…

No Time to Cry, da banda Sisters of Mercy, era a música que tocava em seus ouvidos agora. Mas já não conseguia mais lhe tranquilizar, ele sequer prestava atenção nas músicas…

O estranho homem soturno apenas o olhava nos olhos, sem expressão facial alguma. Caminhou apressado alguns metros para baixo e tentou transpor uma curva fechada da passarela para em seguida correr, mas tropeçou desastrosamente em alguma coisa no chão.

Ao ver o que era tentou gritar, mas o vampiro chegou até ele tão rápido que mal teria tempo para chorar se assim quisesse… Pois a mão gélida o agarrou sem esforço pelo braço, prendendo-o no mesmo lugar com eficiência…

“Eu teria força suficiente para quebra-lo se tentares fugir…”
Foi o aviso que ouviu alto e claro em sua mente, ainda que a figura sequer movesse os lábios para falar. Os fortes solavancos cardíacos aumentaram abruptamente…

Os dentes pontiagudos logo se enterraram em sua garganta sem suavidade alguma, e a mão geladíssima calava sua boca para que não produzisse nenhum som.

Ao sentir aquela dor aguda na jugular e a agonia daquela mão opressora sem vacilar em sua face, sabia que tão logo estaria tão morto quanto aquele corpo inerte no chão, que quase o derrubara, e atrapalhara sua patética tentativa de fuga… Provavelmente era dele o líquido escuro que tingira antes aquele chão com aquelas manchas de sangue.

§§§

O conto acima foi baseado na foto abaixo, tirada na tal passarela que de fato EXISTE… Pensei nestas cenas ao passar por lá e tirar esta foto cerca de um ano atrás. Se eram mesmo manchas  de sangue ou não, nunca saberemos…

O chão foi pintado um mês depois que a foto foi tirada…

E… Sim, o vampiro Solfieri milagrosamente sem a sua ressuscitadora Luana hoje, e neste conto solo dele vemos que nem com todo mundo a sua mordida é tão prazerosa ou sutil quanto com ela… Então, enfim deixo-lhes um: FELIZ DIA MUNDIAL DOS VAMPIROS! 

 

*Sobre a autora:

“Nem profissional nem amadora, apenas diletante enquanto autora…”

Diz sobre si Fernanda Miranda, fascinada por histórias sobrenaturais, que costuma usar a escrita para me esvaziar dos meus piores medos, incômodos e conflitos. Tem interesse em mitologia e profundo amor por música alternativa e poesia — as quais busca até nas coisas mais banais… Idealizou e organizou a antologia vampírica “Pesadelos Escarlates”, com prefácio de Adriano Siqueira, e co-organizou a antologia “Bruxas” com a poeta Fernanda Mothé, pela Darda Editora… E organizou mais recentemente a antologia anual “Devaneios Cemiteriais”, pela editora Círculo Soturnos. Publicou também um conto na antologia anual “Almanaque Steampunk”, pela editora lusitana Divergência e vários outros em outras editoras brasileiras. Prefaciou também as antologias “Encantados”, “Sede Imortal” e “Eles Existem”. Para saber mais, acesse @nandadiletante

[CONTOS] Sonhos Mortais

Design de capa James Gallagher Junior

Sonhos Mortais

Sinopse: Um detetive, angustiado por não encontrar um assassino em série, fica entre os pesadelos e realidade ao tentar solucionar o mistério, que pode beirar o sobrenatural…

O detetive Queiróz tomava um conhaque numa tentativa de espairecer as ideias, pois ficava tenso e absorto diante de um caso sem solução. Detestava não saber o que fazer, enquanto um assassino fazia o que queria sem deixar rastros.
A cada trovão Queiróz se sentia dentro de um estúpido filme de terror, e a cada gole relembrava nitidamente a insólita cena do crime onde a sétima vítima jazia na manhã do dia anterior.
A moça estava na cama, com metade do corpo pendendo ao chão. Uma camisola a vestia, tal qual as vítimas anteriores, mostrando que também havia sido pega durante o sono… Apesar das cobertas desalinhadas na cama.
Os seios fartos imóveis, seus braços pendiam lânguidos tal qual a cabeça de cachos escarlates. A face serena parecia apenas dormir tranquilamente, se não fossem a pele morena empalidecendo aos poucos, e a confirmação pela perícia de relação sexual recente, confirmando também o mesmo modus operandi das outras seis mulheres…
O mistério é que a perícia após autópsia realizada no mesmo dia havia mencionado morte por infarto, como se a artéria houvesse explodido durante ou após coito.
Entretanto o mais estranho naquele caso era que os peritos constatavam a presença de relações sexuais, mas não havia rastros de fluídos corporais masculinos ou sequer digitais na pele das falecidas. Sem mencionar que os quartos estavam sempre muito bem trancados pelo lado de dentro.

#

Mais um gole amargo e rascante preencheu a boca de Queiróz. Quando ele ligou o rádio, enquanto se lembrou da insólita conversa que havia tido naquela mesma tarde, após a ligação de uma mulher que dizia ter informações relevantes sobre o caso…
— Inês, você me disse ao telefone que teria um possível suspeito para o caso do “assassino dos lençóis”…
— Sim, tenho! Se o senhor mantiver a mente aberta…
— A artéria delas explodiu durante as últimas relações sexuais que mantiveram. Em todos os casos aparentemente as vítimas eram todas saudáveis, mas morreram com sintomas de parada cardíaca…
— Talvez seja exatamente as relações sexuais que as mate, Queiróz! Já pensou nisso? Algo que causa euforia, espasmos e reações corporais muito mais intensas do que uma cópula comum…
— Elas consumiram alguma droga antes ou durante, você diz? Cheguei a pensar nisso… Você acha que o tal “assassino dos lençóis” as drogou?
— Bom… Estamos falando da “droga” mais antiga de todas, eu creio… Mas intensa o suficiente para causar um infarto. Porém nada que possa ser uma droga comum ou que uma autópsia localize…
— Assassino dos lençóis… Odeio como os repórteres brincam com a vida alheia dando apelidos para mortes sem solução! Mas o que você realmente pode saber que ajude à solucionar este caso além das suposições que já pensamos, Inês?
— Bom, se confiar em mim creio de fato saber o que aconteceu com aquelas sete mulheres… Talvez eu saiba quem as matou!
— Ora, se tem um testemunho com retrato falado, então vamos conversar em regime oficial, na delegacia!
— Não é tão simples, Queiróz… Já ajudei a prender um assassino investigado por você, mas desta vez não será tão fácil… Pois suponho que este não seja deste mundo!
— Como assim “não é deste mundo”? O que você está dizendo?
O detetive indagava perplexo, quando Inês colocou aberto sobre a mesa um livro antigo… Pedindo para o homem ler onde ela apontava. A face dele foi passando de tensa para irritada, e não pôde evitar um palavrão. Estava incrédulo. A mulher não se incomodou e continuou séria.
— Falei a pouco dos repórteres que brincam com casos sem solução, mas não esperava isto vindo de você, Inês!
— Não é piada! Lembra quando eu disse ao telefone que você teria que confiar em mim? E disse agora pouco que você teria que ter mente aberta?
— Mas, Inês… Mente aberta é uma coisa… E crer no além da imaginação já é demais! Então você acha que um demônio está matando mulheres? Chegando à elas através dos sonhos enquanto dormem? O que ele é? Um filho do Freddy Krueger, por acaso?
— Não Queiróz! É um Incubus! Como você acabou de ler, e ver por si mesmo que tudo no modus operandi confere… Tanto a morte por parada cardíaca, na verdade consequência de um orgasmo intenso o suficiente para matar e ser confundido com asfixia em algumas ocasiões, quanto a relação sexual que constam no relatório do legista que você me passou… Acontece porque ele manteve relações com elas até levá-las à exaustão… E assim as matou!
Inês falava séria, o que fez o detetive tentar se acalmar, pois por mais que aquela mulher parecesse narrar um romance de ficção, ela realmente acreditava no que dizia.
— Se você me falasse de um assassino que se baseia nesta lenda eu veria coerência… Mas um ente mitológico é uma crença irracional!
— Então por que não há sinais de fluídos ou digitais de um homem de carne e osso, Queiróz? E por que as portas e janelas dos quartos das vítimas estão sempre trancadas?
— Por que ele deve utilizar luvas e um preservativo… E ganhar a confiança delas para entrar…
— E como iria sair depois? Você me disse que cinco das sete portas estavam trancadas pelo lado de dentro…

Queiroz não soube o que dizer e se fez um silêncio mais significativo e insólito do que se um trovão o tivesse preenchido.

— Bom, entendo de ocultismo há tempo demais para ter certeza e saber lidar com esta situação, e você agora é o único que sabe deste segredo e da verdade sobre o caso! Você tem uma filha, não é? Estou aqui me expondo exatamente para que você não corra o risco de encontra-la morta no quarto como aquelas mulheres…
— Olha, suposições malucas eu até tolero! E se não lhe respeitasse pediria para procurar um psiquiatra… Mas colocar minha filha nesta história passa do limite, Inês!
— Não é preciso me ofender ou alterar o tom de voz… Sei que tudo isto parece absurdo! Mas sei o ritual para fazer isto parar… Graças ao qual estou aqui! — Inês fechou o livro e se dirigiu à porta.
— Caso resolva entender que há mais forças operando sobre a terra do que as que possam se incluir num ponto de vista comum, e que elas às vezes nos influenciam mais do que a voz da razão permite, me procure Queiróz! Apenas não espere que mais mulheres morram para isto… Pense nesta conversa!

#

Um trovão trouxe Queiróz de volta à realidade naquela noite em que a própria noção do que era real parecia brincar com ele de modo sádico. E agora, agitando o gelo no fundo do copo, ele pensava. Por mais loucura que aquela história toda de demônio dos sonhos parecesse, era a explicação mais lógica até o momento para aqueles crimes que lhe tiravam o sono… E de fato pareciam um pesadelo!
Contudo não podia se deixar levar e perder o razão por causa de um assassino sem rastros. Mas que com certeza não era um demônio de sonhos, e sim mais um dos muitos demônios da vida real, fazendo vítimas e mexendo com o imaginário das pessoas que, como Inês e ele mesmo, tentam sempre encontrar uma explicação — real ou não — para aquilo que não pode ser explicado: a maldade humana sem limites.
Neste momento em que buscava se convencer da conclusão mais realista então notou o som do rádio que ainda tocava ao seu lado. A música que tocava o incomodou. Era uma música em inglês, e sua mente vagou pelo significado que a letra traduzida teria. Ele notou que dizia precisamente: “Doces sonhos são feitos disso… Quem sou eu para discordar?” (***)
Queiroz desligou o aparelho.

(***”Doces sonhos são feitos disso… Quem sou eu para discordar?”/ “Sweet dreams are made of this… Who am I to disagree?”
Trecho da música Sweet Dreams, do Eurythmics)

Abaixo outra música talvez mais obscura e menos famosa que também inspirou demais esta história… Além de um episódio da série ARQUIVO X chamado “Genderbender”.

*Sobre a autora:

“Nem profissional nem amadora, apenas diletante enquanto autora…”

Diz sobre si Fernanda Miranda, fascinada por histórias sobrenaturais, que costuma usar a escrita para me esvaziar dos meus piores medos, incômodos e conflitos. Tem interesse em mitologia e profundo amor por música alternativa e poesia — as quais busca até nas coisas mais banais… Idealizou e organizou a antologia vampírica “Pesadelos Escarlates”, com prefácio de Adriano Siqueira, e co-organizou a antologia “Bruxas” com a poeta Fernanda Mothé, pela Darda Editora… E organizou mais recentemente a antologia anual “Devaneios Cemiteriais”, pela editora Círculo Soturnos. Publicou também um conto na antologia anual “Almanaque Steampunk”, pela editora lusitana Divergência e vários outros em outras editoras brasileiras. Prefaciou também as antologias “Encantados”, “Sede Imortal” e “Eles Existem”. Para saber mais, acesse @nandadiletante

Leitora ou consumidora… Eis a questão!

Book Magic
(fonte da imagem: desconhecida)

Leitura ou consumo… Eis uma breve reflexão sobre o tema.

Porque a ideia de “consumir livros” me incomoda?

Na verdade é algo bem simples:

 Tudo o que é consumido SE ACABA,  DESAPARECE. Como quando consumimos um sanduíche, o comemos e ele some, ACABA.  Tal como a humanidade consome a natureza, fazendo-a ir DESAPARECENDO cada vez mais.

Ou um relacionamento onde as partes “se consomem” tende a terminar rápido ou durar apenas uma noite…

Ou ainda quando uma vela – ou qualquer outra coisa, inclusive pessoas – se consome,  ELA ACABA!

Já quando lemos uma história e nos envolvemos com a narrativa creio que o que aconteça Seja EXATAMENTE O CONTRÁRIO.

Tendemos a sempre relembrar  aquela narrativa, falar com outras pessoas  daquelas histórias e seus personagens, relembrar o que aprendemos com eles ou o quanto nos afetam,  recomendar o livro, comentar em eventos e na Internet, entre outras maneiras de PROPAGAR…

E se algo SE PROPAGA de uma ou mais destas maneiras não faz sentido dizer que CONSUMIMOS, pois NÃO SE ACABA! Pois pelo contrário isto SE PERPETUA.

Não importa por quanto tempo, mas não acabou no último virar de página. Logo NÃO FOI CONSUMIDO! Então prefiro usar APRECIAR ou outro verbo que o valha e não consumir, e me orgulho ao me considerar LEITORA e não consumidora!

E assim creio que seja com músicas, filmes, ou qualquer outra coisa que se aprecie. Prefiro torna-las paixões… Não meras formas de consumo banal.

Inkubus Sukkubus – a essência pagã no rock


Por Fernanda Miranda/Essência Diletante

Já faz um tempo que não falo sobre música neste blogue, mas há uma banda em especial que me fará quebrar este jejum em pleno Halloween/Samhain e não ao acaso nesta data… Todos os anos eu sempre fico de publicar uma matéria contando a história desta banda, mas a data passa e eu não o faço… Porém enfim chegou a esperada hora! Acho que os planetas devem estar alinhados…

Em toda existência deste blogue, não podemos esquecer as raízes místicas e pagãs que o inspiram constantemente, e menos ainda na data do ano feita para de fato exaltar a toda forma de bruxaria e magia… Magia, aliás, da qual a nossa vidinha cotidiana e tão banal cada vez carece mais! Seja apenas sonoramente ou de diversas outras formas que fomos relegando ao esquecimento…

Aqui no caso hoje farei minha parte para resgatar a magia de Samhain através da magia sonora de uma banda que PRECISA ser conhecida! Uma vez que tanto sua história quanto principalmente
suas letras exaltam bastante a cultura pagã desde a já longínqua década de 90, quando professar a fé pagã ainda não era algo tão comum e as mídias que abordam a bruxaria fora de um contexto que a deprecie de alguma forma também ainda não haviam se consolidado na cultura pop e nem nas vertentes musicais.E sabendo que hoje em dia tal tendência já muda, tomando um contorno puramente ficcional e por vezes até deturpado ou demonizado … De novo! Mas enfim… Ciclos!

Inkubus Sukkubus é uma banda britânica pagã, tida como uma das bandas undergrounds mais populares do Reino Unido. Tem lançado álbuns e feito turnês desde sua formação como Incubus Succubus lá no ano de 1989 em Gloucestershire, no Reino Unido, tendo posteriormente alterado algumas letras na grafia de seu nome por questões as quais alegaram estarem ligadas à numerologia. E lá se vão mais de três gloriosas décadas de sortilégios ritualísticos em forma de música desde quando Tony McKormack (guitarra) e Adam Henderson (baixo) formaram então uma banda chamada Belas Knapp. O nome foi mudado para Incubus Succubus quando eles se juntaram a Candia Ridley, uma nítida representante da essência pagã da Deusa, nos vocais.

Para além de apenas a aparência inspirada nos ritos neopagãos, a banda se autodefine como Pagan Rock por mais que muitos sites e periódicos a mencionem apenas como “gothic rock ou gothic metal”, pois até do ponto de vista sonoro é complicado dar ao trio um rótulo pronto ao som da banda e classifica-lo tão superficialmente. Assim sendo, creio ser algo limitante encaixar a sonoridade da Inkubus Sukkubus em apenas uma única vertente do rock.

O primeiro single, “Beltaine” — que já fala demais sobre a forte orientação neopagã nas letras — e um EP correspondente, foram gravados em 1989, assim como a versão original do primeiro álbum, “Belladonna And Aconite”. Como dito antes, falar destes temas hoje pode não parecer algo tão incomum, e há de fato vários nomes dentro do rock que os abordam em uma música ou outra.
Porém, ao meu ver, a importância do Inkubus Sukkubus para a cultura pagã está exatamente na primazia em abordá-la abertamente e de forma tão predominante em sua temática bem antes da bruxaria ser de fato popular e tratada como algo do cotidiano.


A formação listada na capa do single do Beltaine é Candia nos Vocais, Tony McKormack nas Guitarras, Adam Henderson no Baixo, Jamie Gardner nos Teclados e Bob Gardner na Bateria. (Sim, o sobrenome “Gardner” está correto.) No entanto, quando a primeira prensagem do EP voltou distorcida, vários membros deixaram a banda. Tony e Candia continuaram sozinhos como um projeto de estúdio, Children Of The Moon, até 1993. O material gravado durante essa época (incluindo as primeiras versões de faixas que se tornariam clássicos do Inkubus Sukkubus) foi finalmente lançado como o álbum “Beltaine”. No final de 1993, Inkubus Sukkubus se reformou com Bob Gardner de volta à bateria, assinou com a Pagan Media, lançou a versão completa de “Belladona and Aconite” e em 1994 gravou e lançou “Wytches”, Este álbum posteriormente ficou conhecido como um álbum lendário, pois contém o que muitos fãs – esta que vos escreve inclusa — consideram como um dos melhores trabalhos da banda, e (devido a problemas com Pagan Media), rapidamente se tornou quase
impossível de obter. Contudo, apesar disto, indispensável de ser apreciado.

Foi 1995, que eles mudaram não apenas seu nome para Inkubus Sukkubus, citando as mencionadas razões numerológicas, mas também mudaram significativamente, adotando o uso de uma bateria eletrônica com algum suporte adicional de um bodhran – aquele instrumento pagão ritualístico com inspiração nos instrumentos celtas. Na mesma época em que assinaram com a Resurrection Records e lançaram o tão aguardado álbum Heartbeat of the Earth – “Batidas do coração da Terra”, certamente um título bastante significativo — no final de outubro daquele ano. O álbum foi promovido com uma turnê de sucesso onde o novo material foi recebido com entusiasmo. Os seguidores da banda cresceram e também sua fama. Eles apareceram no BBC World Service e em várias revistas europeias, americanas e do Extremo Oriente. A partir daí, uma vez no apareceu no mainstream, várias vezes recebendo tempo em rádios e com várias aparições na TV em seu currículo, principalmente ainda durante os anos noventa.

Dentre seus temas líricos e além das letras que destacam suas crenças, a banda é conhecida por canções sobre demônios, vampiros, fadas e outros temas ocultos e sobrenaturais, chamando assim a atenção não apenas de pagãos, mas também de muitas figuras ligadas ao vampirismo inclusive no Brasil, uma vez que é um tema também tão recorrente quanto a própria bruxaria em suas letras. Há quem diga que por suas canções amplamente inspiradas por seu interesse e prática de bruxaria, eles possuam certa notoriedade e status underground como a “voz do paganismo moderno”. Dentre os títulos traduzidos de seus álbuns podemos destacar, além dos já supracitados: “Bruxa Rainha”, “Ciência e Natureza”, “A Deusa Negra”, “Mãe Lua”, “Mulher Wikka”, “Contos de Feitiçaria e maravilha”, “Rainha Vampira”.

Felizmente, tivemos o lançamento de um novo album este ano, o qual ainda mantém muito da sonoridade mais clássica da banda, e essa continuidade na qualidade musical hoje em dia se tornou coisa rara de se ver em artistas de todos os estilos, mas aqui ela é notória, e vale a pena a conferida…

 

Abaixo encerro com minhas traduções favoritas de letras da banda Que são do MELHOR ÁLBUM não apenas para mim, mas para muitos fãs… Tanto que, tendo sido originalmente lançado em 1993 ele ganhou uma versão remasterizada em 2011, a qual também deixo aqui… Pois é um álbum que trás muito da atmosfera da qual falei ao longo de toda matéria…

FELIZ SAMHAIN!!! 

“Do oeste vem a antiga morte
Cavalgando na tempestade
Com os olhos famintos por incêndios funerais
Para queimar até o amanhecer do dia seguinte
Para essa noite, ai vem os mortos
Não consolidados do Submundo
E as crianças se vestem como as crianças do Inferno
Todos os meninos e as meninas
E o fogo arderá
E a roda da vida irá girar
E os mortos voltam para casa em Samhain
E no céu noturno
Na luz lunar eles voam

E os mortos voltam para casa em Samhain
No ápice do Sabbat na montanha do Funeral
Aguarde as bruxas na festa
Para o primeiro dia do Inverno
O primeiro Sol do Inverno
Surgido do Oeste
A morte chegou para o verão
E para levar as folhas da primavera
Hecate, Nemesis, a Mãe das Trevas nos levará”
(Tradução de “Samhain”, banda Inkubus Sukkubus)

“Sinto você se aproximar
E não mostrarei medo
Nenhum prazer me é negado
Uma fome cresce dentro de mim
Preciso de seus beijos de fogo
Emocione-me com seu toque de gelo
Que amante mortal
Esperaria dar tanto a uma mulher?
Amante dos sonhos, amante dos sonhos
Enganador, assistente
Amante dos sonhos, irmão negro
Abrirei minha alma para me dar por completo
A cobiça do homem não conhece limites
Sua crueldade não tem fim
Sinto desejo como você
Então por que isso precisa te ofender?
Não fale suas palavras de ira
Atos carnais pelo desejo do diabo
Não ouço suas acusações
Alguém me deu a pílula da felicidade.”
(Tradução de “Incubus”, banda Inkubus Sukkubus)

“Belladona e acónito
Dá-me o dom de voar
Leva-me para cima, para o ar na noite
Num sonho, pelo céu
A cem milhões de quilómetros de altura
Levai-me sempre em frente na noite

Irmãs negras juntam-se ao meu voo noturno
Vejam até onde conseguem subir
O caule está connosco nesta noite brilhante
Cavalguem com ele pelo céu

Como uma horda gritante
Cortamos o caminho
A Maçã do Diabo exacerba-se
Para o sabbat num corcel demoníaco eu cavalgo
No plano astral corremos
O universo os meus dedos traçam
E eu estou perdida para sempre na minha mente”

(Tradução de “Belladonna And Aconite”, banda Inkubus Sukkubus)

 

Site oficial: http://www.inkubussukkubus.com

Relato de Lua

 
 
Meu nome é Luana… Mas pode me chamar de Lua
Nunca me considerei uma pessoa muito normal e tenho meus motivos pra dizer isso… Mal completei duas décadas neste mundo e já vi, senti e vivi muita coisa fora do normal na minha vida… Eu perseguia o insólito tanto por já estar de certa forma acostumada a ele desde criança, como porque tinha um objetivo e queria ajuda de forças além do humano…
…Então, depois de uma certa noite em que realmente quase morri, agora venho tentando apenas levar uma vida normal de caloura universitária…
Mas o insólito sempre me persegue de algum modo… Pois comecei a descobrir que outras pessoas da minha faculdade já viram ou ouviram coisas que não podiam explicar em algum momento da vida… Será que até pessoas normais também vêem coisas que desafiam sua normalidade ou tudo aquilo que consideram real?
 
Esse relato é o registro que fiz de um caso contado por um um colega de faculdade, que vou chamar aqui de Arthur… Ocorreu um mistério na família dele tem alguns meses…
A tia dele, que aqui vou chamar de Mayra, morava apenas com os pais desde que o pai dele — irmão bem mais velho dela — havia se casado… Ela nunca havia se mudado apesar de já ter mais de trinta anos, e vinha tendo depressão há algum tempo… Mas isso era uma coisa que ela já tinha há anos, então ninguém se preocupava muito.
Uma manhã em que os pais dela saíram para a igreja, como faziam todas as semanas, Mayra ficou sozinha em casa. Quando eles voltaram não a encontraram, mas de certa forma tudo bem, pois ela tinha a vida dela apesar de não morar sozinha… Então eles logo descobriram que havia um bilhete fixado na geladeira com ímãs de cozinha, dizendo que naquele dia Mayra iria à praia com duas amigas para se distrair e tentar levantar seu astral e só voltariam a noite.
Ao final do bilhete algo que a avó de Arthur estranhou um pouco ao ler, mas demorou a dar a devida importância: sua filha pedia desculpas por nunca ter conseguido ter um rumo na vida e os agradecia por tudo até ali, então na última linha ela dizia que os amava muito.
 
Tarde da noite daquele mesmo dia Mayra não voltou e nem deu notícias… De manhã a avó do Arthur ligou para a casa das amigas da filha, mais nem a mais próxima sabia dela, e contou que já não falava com Mayra há mais de uma semana. Então, quando o dia seguinte chegou foi a vez do pai de Arthur receber uma ligação de sua mãe preocupada, na esperança de que Mayra tivesse ido para a casa do irmão ou comentado seus verdadeiros planos com o sobrinho, com quem costumava ter conversas mais sinceras do que com o resto da família…
Tudo que Arthur se lembrava era de ter falado ao telefone com a tia por mais de uma hora três dias antes do tal passeio na praia, e de ela ter dito algo engraçado ao se despedirem… Algo como “aconteça o que acontecer não esqueça que te amo muito”… Arthur agora estava com muito medo de que aquela fosse a última vez que havia falado com a tia, porque eles eram realmente próximos e ele sentia falta dela.
 
Ele desabafou sobre isso tudo isso para uma amiga em comum nossa, e eu por acaso estava junto … Em uma daquelas conversas de intervalo de faculdade que acabam tomando um rumo mais intimista meio sem querer…  Não sou tão amiga dele, mas notei que Arthur realmente parecia bem preocupado com a tia dele, esteja ela onde estiver…
No dia que nos contou essa história ele disse que já fazia sete meses e até hoje ninguém mais soube mais nada sobre o paradeiro da tia de Arthur. O pai dele acha que a irmã pode ter cometido suicídio, o avô não quer tocar no assunto até que Mayra volte e a avó apenas diz que a filha é maior de idade para saber o que faz…
A mãe de Arthur fala que ela deve estar bem vivendo em outra cidade e vai aparecer totalmente mudada qualquer dia… Mas ele acha que a mãe dele não acredita nisso de verdade, e só diz para ele não ficar triste porque tudo aponta para um suicídio, até por ela ser uma pessoa sem rumo, meio deslocada na família e tals… Mas Arthur realmente prefere acreditar que exatamente porque sua tia estava bem triste há anos com a vida que levava, de repente ela tenha ido para longe, para refazer a vida em outra cidade…
“Quem sabe  até se casou e fugiu com alguém que sabia que o pai e os avós dele não aprovariam ” — é o que ouvi Arthur dizendo, acrescentando que ela já havia namorado uma garota, e sua família possuía um pensamento bem conservador…  Sabe, eu sei que ele deseja muito que a tal tia esteja feliz em alguma cidade praiana, vivendo com “a mulher dos sonhos dela”… Mas… Sei lá, eu acho que essa mulher está mesmo morta! Seria a alternativa mais realista nesse caso…
Eu pessoalmente não acho difícil que, sendo uma pessoa como ele descreveu, que essa mulher pudesse mesmo ter sentido que a vida dela não fazia mais sentido cercada de pessoas que não a compreendiam… Mas claro que não contei o que penso pra ele!
Quem sou eu para tirar as esperanças do coitado! Só porque acho que faz todo sentido que a tia dele tenha se matado… Ele parecia um carinha que parece legal, mas tudo que ele contou aponta pro óbvio! Já que ela se sentia tão triste e deslocada quanto ele mesmo disse!  Eu mesma sinto isso às vezes, e olha que eu sou bem mais nova que ela! Até porque, como eu já disse, eu também não me considero uma pessoa que tenha uma vida muito padrão, igual a de todo mundo e tals… Sabe-se lá o quanto ela se sentia assim com o passar dos anos…
 
Mas por hora ninguém encontrou um corpo, então o mistério continua… Como tantas pessoas desaparecidas que existem no mundo… Hum… Será que se essa mulher estiver mesmo morta, quem sabe o fantasma dela tenta se comunicar em algum momento… Espero que o Arthur conte para a Roberta se acontecer e eu fique sabendo… Aí talvez ele e a família dele possam aparecer de novo em um próximo relato que eu deixar aqui! Seria interessante, mas devo respeitar o sofrimento da família…
Nossa, já estou viajando muito! Até parece que fantasmas se manifestam na vida de todo mundo  como se fosse algo tão banal… Aliás, a maioria das pessoas nem acredita nessas coisas… E eu provavelmente não serei levada à sério ao comentar sobre isso…
Acho que é melhor eu parar por aqui… e de um jeito ou de outro, por essa noite, é hora de “essa Lua” se pôr… Então por hora vou apenas me despedir…
 
 

Caçador Vampiro — Maldição 

Vampire Hunter Maldição_

Continuação do conto: Caçador Vampiro

No mesmo instante em que o corpo de Sam desfaleceu, os olhos de Eddie voltaram a sua coloração escura, normal e humana. E suas presas vampíricas recuaram dando lugar a dentes humanos comuns. Ele então contemplou aquele corpo desfalecido em seus braços… que parecia tão sereno!
E mal sabia Sam que Eddie de fato escutava cada palavra em sua mente enquanto sugava seu pescoço, e que através do gosto de seu sangue podia de fato sentir seus sentimentos e emoções de algum modo insólito que não saberia explicar.
…Sentimentos nutridos por ele, já há tanto tempo em silêncio. Exatamente por isto tentara internamente lutar contra a sua animosidade, e já que não podia cessar a sucção, ao menos que ela fosse no mínimo prazerosa para ambos. Uma sensação ainda intensa, porém que lhes suscitasse deleite mútuo…
No mínimo que honrasse aqueles sentimentos nutridos ao longo daquela parceria. Aos quais aquele caçador nunca quisera ver quando simplesmente os aceitava como somente amizade. Ou talvez desde sempre já soubesse que não seria apenas isto, se ele assim quisesse. Mas nunca soubera lidar com sentimentos, nem os dos outros e nem os dele mesmo.
Eddie naquele instante estava diante de um grave dilema moral, mas sabia que precisava agir rápido e cada segundo contava… Soltou um tênue rosnado contrariado diante das limitadas opções, bufou com face carrancuda, e antes que pudesse julgar a si mesmo deixou fluir seus dons vampíricos uma vez mais.
Odiava mortalmente deixar-se tomar por aquela maldição que carregava, embora em batalha o frenesi lhe desse vantagens que lutando como humano não teria… Ainda assim possuía asco de si mesmo quando admitia ter se tornado uma daquelas coisas, as quais aprendera a odiar desde que se entendia por gente… Assim como todos os outros caçadores, outrora aliados, e  que haviam passado a renega-lo como ele mesmo faria com qualquer um deles que houvesse tido tal destino…
Como mandava o rígido código dos caçadores, pois sabia ser este o costume ao longo dos séculos, onde caçadores convertidos à maldição dos seres noturnos poderiam ser abatidos por outros caçadores ou minimamente abandonados a própria sorte… E tendo sido dono de seu próprio destino desde tenra idade, Eddie não esperara a decisão de seus aliados de outrora, e apenas havia se apartado de convivência humana ele mesmo…
Tendo tido somente uma pessoa que ousara se colocar contra códigos e tradições ao insistir permanecer ao seu lado… Uma pessoa que finalmente agora pagara o preço por tal decisão. Por mais que tal ato era iminente cedo ou tarde, e havia já tido a certeza de que Sam assim desejara — devido aos sentimentos e desejos que seu sangue havia revelado, por mais evidentes que já seriam na convivência de tantos anos entre os dois.
Sam lhe fora leal até o fim, e agora não merecia pagar por isso com a inexistência. Devia impedir-lhe a finitude mesmo que se valesse da maldição. E aquilo já era motivo forte o suficiente para que Eddie suportasse uma vez mais a ojeriza de sentir sua humanidade posta de lado para deixar fluir seus poderes sobrenaturais… Assim, com os dentes salientes e afiados, abriu um talho profundo em seu próprio pulso…
O sangue verteu vívido e escarlate… O frio sangue de um ser noturno, ainda que este fosse ao mesmo tempo um exterminador de outros seres noturnos… O sangue que sugara outrora quente das veias de Sam e já havia sido filtrado por seu corpo maldito tomado pelos dons vampíricos… Em instantes aquele líquido viscoso, gélido e vermelho estava sendo vertido nos lábios de Sam, cujo corpo humano e já a beira da morte ainda jazia totalmente inerte nos braços do Caçador Vampiro…
Insistiu um pouco, temendo já ser tarde demais para que aquilo funcionasse, temendo ter se demorado em dúvidas morais e hesitações, enquanto ao mesmo tempo ainda vivendo seu drástico conflito interno de estar passando aquela maldita condição adiante… Estar fazendo com alguém o mesmo que infortunadamente haviam feito consigo mesmo. Na aflita tentativa de evitar ter de lidar com a finitude de Sam. Então notou como o medo de perdê-lo lhe invadia de modo selvagem e irracional, quer ele soubesse ou não como expressar aquele pesar…
…Já estava sendo totalmente tomado pelo desespero da perda da última pessoa com quem realmente se importava, quando finalmente os lábios moribundos se moveram e se puseram a sugar o sangue gelado de seu pulso cortado. Eddie então parou de julgar seu próprio ato de escolher transformar o companheiro, assumindo  que não havia escolha razoável e nem mesmo sensata naquela situação.
Aliás, sensatez era algo que precisava ser deixado para segundo plano naquele momento… Enquanto Sam agora bebia com sofreguidão aquele veneno de suas veias desafortunadas, atraindo para si o mesmo destino amaldiçoado que aquelas duas almas partilhariam. Eddie já parecia conformado de que o único meio de evitar a finitude de Sam naquele momento seria entrega-lo à sua própria maldição…
De repente, contemplava agora aquela face  outrora serena de alguém que sentira deleite em dar-lhe a própria vida, quando aqueles olhos claros e acinzentados se fecharam em um sono já vampírico e necessário para que a transformação se completasse… Mas não antes de aqueles dois dois pares de olhos se cruzarem, em um breve instante que sem palavras pareciam dizer tudo o que ambos não haviam sido capazes em anos…
Minutos depois, já tendo se sentado um tanto conformado a um canto do chão de cimento daquela antiga fábrica erma, ainda em meio aos restos da batalha  ocorrida ali há incontáveis minutos antes. Eddie agora bufava mais uma vez ao contemplar demoradamente o corpo adormecido de Sam…
…e que aos poucos ia deixando de ser um corpo humano, assim como acontecera com o seu próprio meses antes… E mesmo que contemplasse com pesar tal processo acontecer, estava convencido de que fizera o que tinha de fazer. De repente teve de assumir algo que gritava bestialmente em seu peito, fosse ele vivo ou morto: perder Sam seria muito pior do que transforma–lo em um vampiro.
Embora ainda que continuasse, como lhe era de costume, sem saber o que fazer com suas próprias emoções e afetos, Eddie parecia ao menos admitir para si mesmo que garantir a existência de Sam havia se tornado mais importante do que qualquer coisa — inclusive seus próprios princípios de declarar morte a todo e qualquer Vampiro tantos anos antes, quando entrara para aquela vida de Caçador de Vampiros ainda tão jovem.
Já havia perdido um irmão naquela difícil missão que ambos haviam abraçado ainda adolescentes, o vira se perder sem nada poder fazer… …mas nunca pensara em parar, pois aquilo era tudo o que sabia fazer. E aquele submundo tão desconhecido e distante das pessoas comuns era o que o fazia reconhecer a si mesmo.
Sabia que o irmão perdido não o perdoaria se ele desistisse definitivamente de lutar, sejam quais fossem as circunstâncias. Haviam jurado lutar por verdade e justiça há muito tempo, ainda que fosse uma verdade conhecida por poucos e uma justiça oculta e por vezes cega. Juramento feito na mesma época em que Sam se juntara a eles com os mesmos ideais e uma afinidade quase instantânea, nutrida por Eddie desde os primeiros dias quando se conheceram.  E desde então sempre haviam se ajudado, ate ali…
Até porque dali em diante quando Sam acordasse ambos seriam duas pessoas fadadas a uma mesma maldição, que teriam que aprender a conciliar com uma missão que ambos haviam abraçado ainda na empolgação idealista da tenra idade.  Contudo, estariam agora compartilhando aquela sina juntos, em uma insólita estrada dividida entre dois mundos totalmente opostos. Entretanto teriam um ao outro… Talvez pela eternidade ou por quanto tempo durasse aquela parceria que sempre fluiria tão intensa e forte quanto aquele sangue que agora intrinsecamente os unia.

Clóvis – Carnaval Aterrorizante

Os Clóvis são figuras pitorescas e um tanto macabras desde os carnavais de rua mais antigos, com suas máscaras e roupas chamativas, as quais ninguém sabe quais intenções podem esconder… Inspirando assim tanto curiosidade, quanto medo.

Há quem diga que a origem destes misteriosos palhaços mascarados, ora coloridos, ora aterrorizantes, está ligada aos matadouros das periferias de décadas passadas, que durante o carnaval lhes cediam vísceras de animais mortos, as quais eles enchiam de ar ou serragem e usavam para bater no chão e criar um estrondo que assustava outros foliões pelas ruas… E assim com tal criatividade sádica davam um toque aterrorizante às suas fantasias, ficando conhecidos popularmente como bote-bolas.

Porém mais tarde a brincadeira foi tomando ares, digamos mais leves no passar dos carnavais, com bexigas feitas de plástico ou borracha…

E a origem lúgubre destes palhaços carnavalescos virou mera lembrança de outros carnavais… Ou pode ser a base perfeita para a lenda urbana à seguir…

Naquela carnavalesca noite alguns pequenos blocos populares de Clovis desfilavam em volta do coreto montado na praça central daquele pequeno bairro.

Tobia e Fátima haviam se destacado da pequena multidão que acompanhava os desfiles, e namoravam em um canto deserto, distante. A garota de repente sentiu um incômodo e cessou os beijos quando via nitidamente que o moço queria bem mais.

— Eu acho melhor voltarmos por enquanto…

— Que é isso, gata! Vamos aproveitar a festa…

–Sim… A que ficou naquela direção! Foi pra isso que viemos, não foi…? – A jovem, fantasiada com orelhas de gato feitas de veludo preto no alto da cabeça, apontava para a direção de onde o som da música ainda podia ser ouvido apesar da distância, e sorria nervosamente.

Ela sentia uma urgente sensação de alerta, fosse pelo atrevimento inesperado do parceiro, fosse por outra coisa naquela penumbra erma onde se encontravam, que lhe dava um estranho arrepio na espinha… Ao qual ela não entendia o motivo, mas não estava nem um pouco a fim de ficar ali para descobrir.

— Bom, eu vou voltar para a praça… Quero uma bebida… Você vai ficar aí?

A gata com orelhas de feltro preto se deslocou da parede e principiava a andar… O rapaz, com a cabeça enfeitada por chifres de diabo feitos de plástico, ainda tentou forçar a moça a ficar com ele de maneira abusada, prendendo os braços dela com força. Fátima não gostou nem um pouco e se desvencilhou empurrando-o…

— Que é isso!? Eu disse que agora NÃO! Se você queria “aproveitar a festa de outro jeito”, porque me arrastou para esse desfile de palhaços na rua?

— Como assim, gatinha? Não me leve a mal… É Carnaval! Vamos fazer algo diferente aqui mesmo… – ele dizia tentando passar uma das mãos no corpo da moça…

— Não teve graça! Não foi isso que você combinou comigo! Fica aí sozinho com tua mão boba, e tuas cantadas idiotas!

Tobia ainda tentou puxa-la de volta, mas Fátima deu-lhe um forte chute nas partes íntimas e se afastou o mais depressa que pôde, antes que ele tentasse alcançá-la.

Tentando se escorar na parede o moço fechou com força os olhos e ainda cuspiu alguns palavrões, inconformado e gemendo de merecida dor.

Quando abriu as pálpebras planejando ir embora viu uma figura fantasiada bem próxima a si… A voz saiu irritada e sarcástica…

— Que foi, palhaço?? Eu não tô com saco para essas brincadeirinhas de merda, agora… Vai procurar tua turma!!

Era um dos tradicionais Clóvis, que eram vistos nas ruas com suas roupas coloridas e espalhafatosas, embora este apresentava uma roupa toda em preto e branco, embora igualmente bufante…

Tobia ainda segurava a genitália dolorida, quando resolveu contemplar melhor aquela máscara que aquele Clóvis trazia, e notou que ela lhe parecia um tanto lúgubre e distorcida demais… O palhaço mascarado não se mexera diante dele, tal qual uma alegoria sinistra, e parecia agir de modo diferente dos outros… Estranho… Era uma figura assustadoramente parada e silenciosa. Dava medo.

O moço com chifres de diabo artificiais então logo notou que aquele Clovis parecia mais aterrorizante que o normal, e trazia algo que parecia uma foice um tanto realista demais em uma das mãos. Não podia ver-lhe a verdadeira face por trás da máscara, para saber se era algum conhecido tentando pregar-lhe uma peça. Mas fosse quem fosse naquele momento, Tobia não estava para brincadeiras e franziu o cenho. Tentou disfarçar o medo que já lhe assaltava, embora não admitisse. A voz saiu firme, porém na defensiva…

— Quem é você, idiota!? Quem você quer assustar com esta fantasia? Saia da minha frente…

Antes que o rapaz dissesse mais alguma coisa, o mascarado levantou a foice afiada e deu um golpe certeiro em seu pescoço, atingindo em cheio sua garganta e impedindo logo que ele gritasse… Tobia agora tentava emitir sons enquanto caía de joelhos e o sangue se esvaía em profusão manchando sua camiseta… Enquanto o sádico mascarado lhe disferia novos golpes no pescoço com a foice.. até quando seu corpo já havia caído ao chão e ele finalmente o separou do pescoço fazendo sua cabeça rolar pela calçada metros à frente.

Logo jazia um corpo decapitado próximo a uma parede, e no meio fio a cabeça com os chifres de plástico… que naquele cenário acentuavam o tom aterrorizante da cena, mesmo sendo apenas um acessório. A parca luz bruxuleante de um poste que ameaçava apagar, na outra calçada, ajudava a completar o tom nefasto da cena.

Minutos depois um grupo de três mulheres caminhava a poucos metros, com suas maquiagens regadas à purpurina, seus vestidos curtos feitos de tecido brilhante com lantejoulas e saias transparentes de tule armado sobrepostas. Vinham descendo aquela mesma calçada a caminho da festa que ainda continuava animada na praça do coreto, e totalmente alheia ao que estava acontecendo naquela rua deserta adjacente e tão mal iluminada por aquele único poste que ainda piscava. A luz ora apagava, ora acendia.

Uma delas soltou um grito ao passar e puxou as outras pelas mãos para o meio da rua, ao ver ali aquele corpo decapitado sentado recostado ao muro margeado pela calçada, com uma poça de sangue e a cabeça com chifres em seu próprio colo, exibindo uma expressão aterrorizada na face manchada de rubro… Ou era o que parecia naquela penumbra há metros de distância, pois a luz do poste se apagara quando elas passavam.

— AAAAAAH! Que merda é aquela ali??

— Calma Nice, deve ser uma brincadeira doentia de algum babaca… Nem chega perto… Que desperdício de sangue falso!

— E se for de verdade, Rafelle? Não acha melhor chamar alguém… – Berenice insistiu enquanto ambas permaneciam de costas para o poste do outro lado da rua, cuja luz piscou e tremeluziu mais uma vez por alguns instantes enquanto elas falavam…

— Que nada, Nice! Deixa disso! Dá pra ver que é um manequim… Devem ter colocado aqui pra assustar as pessoas de propósito… E um boneco de demônio muito mal feito! Nem tinham uma roupa decente e colocaram qualquer coisa… Vambora pra festa!

A terceira amiga, Inês, nada dissera e apenas seguira as outras, meio ressabiada e ansiosa. Não necessariamente pela tal “peça de decoração lúgubre” que haviam acabado de ver, mas por causa do Clóvis todo trajado em preto e branco, cuja máscara pitoresca encarava o trio semioculta pelo poste do outro lado da rua no momento em que a luz do mesmo se acendera… E mesmo depois quando novamente se apagara podia ainda ver a silhueta dele na rua escura, parcamente iluminada apenas pelas luzes que vinham de longe. Ele parecia acenar… E Inês podia jurar que havia sangue em seus dedos.

Agora, enquanto voltavam a caminhar, ela engolia em seco e estava em dúvida se estragava ou não a animação de Rafelle e assustava Nice mais ainda, pois decidia se devia ou não contar a elas que aquela figura sinistra e mascarada parecia claramente seguí-las a distância pela outra calçada… Era bom que chegassem logo àquela praça lotada e iluminada metros à frente… Embora isso provavelmente não seria total garantia de que estariam totalmente à salvo à noite toda.

O lúdico e o profano do Carnaval sempre aparecem próximos, e quando esta junção acontece trás para a festa algo de lúgubre… Há muito de macabro na falsa alegria que se espalha nesta época e principalmente em certas máscaras e fantasias! Uma época festiva e despreocupada, em que inúmeros mascarados podem circular com certa naturalidade e liberdade pelas ruas sem causar estranheza alguma até que já seja tarde, tanto para sorrir quanto para gritar.

***Sobre a autora:

“Sou a antítese do paradoxo com premissas de incerteza e períodos de instabilidade…”

Diz sobre si Nanda Diletante, vulgo Fernanda Miranda — autora fascinada por histórias sobrenaturais, que costuma compartilha-las no blogue Essência Diletante do WordPress e no DiletanteCast pelo Spotify… Alguém que ama gatos e cinema oitentista. Outrora já organizou e participou de várias antologias literárias, incluso uma de Portugal… Mas após o apocalipse nosso de cada dia tenta não sucumbir num surto coletivo de realidades estranhas.

[CONTO] Assombro contra Assombração

Ouça o conto narrado!

Todos os bairros possuem suas lendas urbanas, seus lugares mal assombrados… E por mais que nossa curiosidade nos lavasse a pensar em aventuras, o medo geralmente era mais forte…

Mas por que ter medo? São apenas crendices locais, não é mesmo? Será?

Um grupo de crianças, André de treze anos, Eduardo e Afonso de doze, e os irmãos Adriano e Giulia de apenas onze, se colocaram frente à entrada da casa abandonada, munidos cada qual com sua lanterna.
Aquele era um local ermo onde há anos ninguém morava… Um lugar que nem moradores de rua ousavam adentrar. Deveria ser no mínimo reduto – quem sabe de criminosos, – o famoso ninho de mafagafo. Mas muitas lendas urbanas rondavam o bairro, a respeito do lugar… Lendas sobre assombrações.


André, que costumava ser uma espécie de líder do grupo, havia desafiado o casal de irmãos dizendo que eles somente poderiam andar com o trio se entrassem na casa para buscar uma mochila que Eduardo havia deixado lá mais cedo. Riram da hesitação do novo amigo quando a irmã o repreendia, pois a menina havia vindo até ali somente para tal finalidade.


— Adri, não vá! Você não é obrigado! Deixa desta besteira… Pode ser perigoso aí dentro!


— Para o quê você veio, Giu? Na certa vai contar tudo para a mamãe…


— Não vou! Mas e se as histórias sobre a casa forem verdade?

Os outros três caíram na gargalhada… E a menina prosseguiu mudando timidamente de argumento.


— E mesmo se não forem, é uma casa velha, alguma coisa lá dentro pode cair…


— Giu, vê se não me enche!


— E você não vê que eles só querem curtir com a nossa cara?


Um ar frio tomava conta, naquela noite nublada e ventosa, enquanto novas risadas dos moleques podiam ser ouvidas naquela rua deserta.
Adriano nunca daria o braço a torcer de que a irmã teria razão, não hesitaria diante do desafio de André, pois seu ego era muito grande… Então ignorou a menina e entrou sozinho na casa.


Uma vez lá dentro seu coração acelerou no peito e ele engoliu em seco. À sua volta somente escuridão. Então direcionou a lanterna para iluminar o caminho e se pôs a caminhar.


Minutos se passaram com Giulia a um canto da calçada e os três meninos em outro. Mas ela logo cedeu ao frio e preferiu ir embora. Sendo a criança mais sensata, esperaria pelo irmão em casa, pois fizera tudo o que podia para tentar refrear aquela estupidez. Não queria a mãe chegando tarde do trabalho e ainda não encontrando ninguém. Quando Adriano se machucasse, ela poderia dizer ter avisado.

Os outros meninos a chamaram de medrosa enquanto a viam montar a bicicleta, mas ela apenas pedalou e sumiu na noite rapidamente. Sabia que era inteligente não ser “Maria vai com as outras” e seguir seu próprio caminho.


Instantes depois da partida de Giulia a voz de seu irmão soou de dentro da casa, num audível grito de socorro. André gritou de volta para que ele parasse de tentar assustá-los e apenas trouxesse logo a mochila…
Porém nada mais se ouvia. Afonso então sugeriu que eles fossem busca-lo, os outros dois o olharam com descaso, mas por fim acabaram aceitando pois também queriam sair logo daquele frio. Eduardo ainda comentava como daria uma lição em Adriano caso ele pulasse de algum lugar e lhes pregasse algum susto.


Enquanto isso, Adriano chegou correndo à rua, assustado e ofegante após ter pulado uma janela lateral da casa, e com uma mochila nas mãos…
Ao não encontrar ninguém concluiu que Giulia tinha razão e resolveu ir para casa.

No dia seguinte, e por vários dias, tanto os pais quanto a polícia local procuraram o trio de meninos, sem nada encontrar… E os dias viraram semanas, que viraram meses… Sem nenhum sinal dos três garotos.
Ao ouvirem a mãe comentar a notícia, Adriano pediu à Giulia que mantivessem segredo absoluto de que haviam estado lá e sido os últimos a vê-los. Mas também nunca contou a ela do que havia fugido na escuridão daquela casa assombrada.

***Sobre a autora:

“Sou a antítese do paradoxo com premissas de incerteza e períodos de instabilidade…”

Diz sobre si Nanda Diletante, vulgo Fernanda Miranda — autora fascinada por histórias sobrenaturais, que costuma compartilha-las no blogue Essência Diletante do WordPress e no DiletanteCast pelo Spotify… Alguém que ama gatos e cinema oitentista. Outrora já organizou e participou de várias antologias literárias, incluso uma de Portugal… Mas após o apocalipse nosso de cada dia tenta não sucumbir num surto coletivo de realidades estranhas.

Día de los Muertos/Dia dos Mortos

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Fizemos um episódio de Spotify especial, com detalhes exclusivos  que vão além do texto, sobre esta celebração única e inesquecível! 

Nesses dias de celebração, os falecidos retornam além do túmulo. Ou seja, é a época do ano que os mortos visitam os vivos! Por essa razão, os falecidos são recebidos com uma grande festa bastante decorada. É um oportunidade de recepcioná-los em casa. As oferendas e os altares, montados nas residências, são uma forma de presenteá-los. A mesa de comida da casa é partilhada com eles, num gesto de celebrar a memória e a presença deles.

Os cemitérios são alguns dos locais mais enfeitados, por se acreditar que suas almas saem das sepulturas durante o Día de los Muertos! Há, inclusive, quem passe a noite nos cemitérios, em companhia de seus queridos entes falecidos, no dia da tradição. Em grandes piqueniques em família, que inclui também as almas dos antepassados e dos entes queridos ali sepultados.

A história da celebração pelo Dia dos mortos no México é de origem indígena e já existe desde o tempo dos astecas e dos maias. Inicialmente, a comemoração era realizada durante todo o mês de agosto. Quando os colonizadores espanhóis chegaram, ficaram chocados com os rituais. Assim, alteraram a data comemorativa para o fim de outubro e o início de novembro, de forma a fazê-la ficar mais próxima do Dia de todos os santos e do Dia de finados, celebrados pelo catolicismo nos dias 1º e 2 de novembro, respectivamente. Na tentativa de suplantar a cultura local e fazer da data uma celebração unicamente cristã. O que graças aos deuses não ocorreu completamente, e os ritos ancestrais embora tenham se adaptado e se modificado ao longo dos séculos ainda sobrevivem no modo natural e alegre como não só o Dia de los Muertos, mas outros traços na cultura mexicana em si, trata a temática da morte e o contato com seus antepassados. Desse modo, surgiu uma fusão do Día de los Muertos, com o Dia de Todos os Santos e o Dia de Finados.

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Essa tradição ocorre principalmente no México, mas também pode ser encontrada na região da América Central, como Guatemala, El Salvador e Honduras, e nos Estados Unidos, pela grande presença de mexicanos neste país.

Alguns historiadores apontam que essa celebração tem características que remontam a tempos antigos, tendo origem em cultos realizados pelos astecas, maias, purépechas e totonacas. Esses povos celebravam a vida de ancestrais, fazendo festividades, por meio de oferendas e farturas de comida. Os crânios dos falecidos eram guardados naquela época, como uma espécie de troféus a serem mostrados nos rituais.

O Día de los Muertos é celebrado com Calaveras, as caveiras decoradas artisticamente. Em suas origens ancestrais utilizavam-se crânios reais. Mas, ao longo dos séculos, foram adaptados para imagens simbólicas de caveiras. Há, por exemplo imagens de caveiras pintadas nos rostos ou usadas como máscara. Entretanto, há outros usos mais tradicionais, como caveiras literárias (Calaveras literarias) e caveiras de açúcar (Calaveras dulces).

Caveiras Doces

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As calaveras dulces (caveiras doces) são doces feitos com açúcar, água quente e limão, e moldados em forma de caveira.

Os doces costumam ser confeitados com diferentes cores vivas e, por vezes, apresentam um nome escrito sobre a testa.

Há duas teorias sobre esse nome: diz-se que pode ser escrito o nome do ente querido falecido a quem a caveira é oferecida ou o nome da própria pessoa que faz a oferenda. Segundo a tradição, todo aquele que oferta uma caveira de açúcar garante o seu lugar no paraíso.

Apesar de a caveira de açúcar ser a tradicional, atualmente também existem caveiras de outros ingredientes: algumas têm sabor de chocolate, outras são banhadas em mel e há até mesmo caveiras com amendoim.

Esqueletos prontos  para a Festa

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Os esqueletos costumam estar espalhados por todos os lados, desde casas até ruas. Geralmente eles estão vestidos com roupas, chapéus e adereços, como brincos e echarpes. Segundo a tradição, são eles que recepcionam as almas que vêm visitar seus entes queridos no Dia dos mortos.

Dentre a grande variedade de tipos de esqueletos, existem alguns pequenos, outros grandes e até mesmo alguns de tamanho real. É possível encontrar, inclusive, esqueletos humanos decorados.

No entanto, a maioria consiste em bonecos representativos, feitos de materiais, como papel machê, madeira e barro.

Se para algumas culturas a decoração do Dia de los muertos pode parece um pouco mórbida, para os mexicanos, os esqueletos divertidos e decorados com cores alegres podem ajudar os vivos a lidar com a morte de forma menos triste.

Um importante  filme do Día de los Muertos

Em 2017, a Disney-Pixar tornou esse dia comemorativo num filme de animação, com o nome de Coco (apelido mexicano comum para Maria do Socorro), que voi chamado em todo mundo de “Remember me” (“Lembre de Mim”), e aqui no Brasil recebeu o título de Viva – a Vida é uma Festa

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  • Em 2003, o Dia dos mortos foi declarado Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco.
  • A celebração pelo Dia dos mortos pode durar até 7 dias. A festa costuma começar por volta do dia 26 de outubro e ir até o dia 3 de novembro.
  • Apesar de a data ser comemorada em todo o país, ela é mais tradicional nos seguintes locais: Aguas Calientes, Cidade do México, Morelos, Oaxaca, e Quintana Roo.

Oferendas nos altares e nos cemitérios

Nessa grande festa, há muitos enfeites típicos e, se você notar, alguns deles se repetem com bastante frequência. Isto acontece porque cada oferenda carrega um valor simbólico específico.

Algumas das oferendas são espalhadas pela cidade, outras são colocadas nos cemitérios e há as que servem para decorar o altar nas casas que recebem os mortos. Confira algumas delas com a simbologia que têm:

  • Papel picado: tem a representação da alegria na festividade;
  • Esqueletos com roupas: recepcionam as almas;
  • Água: um símbolo da pureza, é colocada num copo cheio para o espírito saciar sua sede;
  • Velas: trazem a luz para guiar as almas no regresso para a sua casa;
  • Comidas: entre elas, o pão dos mortos (pan de muerto), que tem o significado de ser o esqueleto do falecido;
  • Retratos da pessoa recordada: colocados na parte mais alta do altar, junto a um espelho para que o falecido possa ver o reflexo de seus parentes;
  • Objetos do agrado do falecido: caso seja uma criança, um brinquedo;
  • Flores: cravos-de-defunto (Cempasúchil), por serem consideradas flores simbólicas, que guiam os espíritos e são o portal de entrada deles para visitar os vivos.

Altar do Dia dos mortos

Altar de Muertos

O altar de muertos (altar dos mortos) pode ter de 2 a 7 níveis.

Um altar construído de forma tradicional tem 7 níveis, e cada um apresenta elementos específicos:

  • 1º nível (térreo): cruz feita de flores, sementes ou frutas.
  • 2º nível: fotografia(s) da(s) pessoa(s) falecida(s) a quem o altar é dedicado.
  • 3º nível: as frutas e também os pratos preferidos da pessoa falecida.
  • 4º nível: pan de muerto (pão dos mortos), um tipo de pão tradicional oferecido como alimento e consagração.
  • 5º nível: sal, que simboliza a purificação.
  • 6º nível: dedicado às almas do purgatório
  • 7º nível: imagem do santo de devoção da família

Além disso, também são distribuídas pelo altar as outras oferendas citadas anteriormente — incenso, velas, água, papéis coloridos perfurados com imagens, flores, caveiras de açúcar e objetos de afeição da pessoa falecida.

Flores para as almas

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(fonte da imagem: mochileiros.com)

Elas podem ser encontradas nas ruas, como que formando um tapete por onde as almas deverão caminhar até as casas dos vivos, as flores são usadas como decoração para representar a beleza e a transitoriedade da vida. Grandes arcos feitos inteiramente delas são colocados diante do altar como forma de portal de entrada para as almas passarem ao visitarem a terra.

Apesar de vários tipos de flores serem usados na decoração do Dia dos mortos, os mexicanos costumam usar alguns específicos, como a crista-de-galo, o cravo, o crisântemo e a cempasúchil — conhecida aqui como cravo-de-defunto, porém de um tipo específico.

De todas, a cempasúchil é, sem sombra de dúvidas, a flor mais emblemática dessa data comemorativa. Sua cor amarela representa o Sol que, segundo a tradição asteca, guiava as almas dos defuntos até a última morada.

Além de a própria flor ser utilizada na decoração dos altares e túmulos, suas pétalas costumam ser usadas para formar um caminho até o altar dos mortos, de forma a ajudar as almas dos entes queridos a encontrá-lo.

La Catrina

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La Catrina é uma figura bastante icônica na celebração do Día de los muertos. Foi pela primeira vez feita foi em 1910, numa criação do cartunista e ilustrador José Guadalupe Posada. Segundo o artista, sua obra tinha o objetivo de dizer: “a morte é democrática, já que, no fim das contas, loira, morena, rica ou pobre, toda a gente acaba virando caveira”.

Assim, essa caveira, com um chapéu típico francês, era uma crítica social em que se pretendia valorizar a cultura mexicana e relembrar que, na hora da morte, todos não passam de um esqueleto, de mesmo aspecto.

Posteriormente,  Catrina foi pintada por Diego Rivera, pintor e esposo de Frida Kahlo.

Catrina de Diego Rivera

A figura é a representação do esqueleto de uma dama da alta sociedade, que usa um vestido elegante e um glamoroso chapéu, típicos da aristocracia mexicana do fim do século XIX e início do século XX. Ela foi uma de várias caveiras literárias humorísticas criadas para demonstrar que todos são iguais e que as diferenças sociais não têm qualquer relevância diante da morte.

Fontes:

Conheça o Día de Muertos, a comemoração do dia de finados no México

https://www.hipercultura.com/dia-de-los-muertos-no-mexico/

https://www.todamateria.com.br/dia-muertos/

Caçador Vampiro

Ouça a narração gratuitamente no SPOTIFY! Siga o DILETANTECAST!

Eddie havia se tornado um Vampiro há alguns meses, e não contara a ninguém exatamente como isto acontecera ou quem havia lhe dado a maldição das trevas que ele caçava por toda sua vida. Começando no ramo desde que era apenas um adolescente inclusive.

Todos Caçadores e Caçadoras agora sabiam de eu segredo, embora ele por si houvesse se afastado deles por saber que carregaria um estigma pelo resto de sua existência. Eles o haviam largado à própria sorte contra uma legião de seres os quais dariam de tudo por sua cabeça, quer ele fosse agora de certa forma semelhante a eles ou não.

Eu fui a única pessoa que de fato não quis deixa-lo só, e permaneci ao seu lado… Como inclusive já fazia ao longo dos anos. Nunca permiti que Eddie encerrasse nossa parceria e nem me permiti perder contato com ele, tampouco que ele quisesse se afastar de mim. Devido ao fato que ele se tornara um Vampiro dos próprios vampiros, e cedo ou tarde foi inevitável que outros caçadores de vampiros assim o vissem: como mais um Vampiro. Apesar de tudo…

Mesmo que Eddie retirava sua alimentação sanguínea de outros sanguessugas e de animais, ou frequentemente de bolsas de sangue que por vezes conseguia com uma amiga nossa que trabalhava num hospital, ainda assim para outros caçadores, ele era apenas mais um sanguessuga.

Sobre tudo isto eu tinha uma ideia um tanto quanto excêntrica… Embora eu achasse que sentiria algo bom com ela se chegasse a se realizar, era no mínimo doentia… Pois no fundo eu pensava em dar para Eddie meu próprio sangue… Carregava comigo a intensa vontade de sentir suas presas em meu pescoço, por mais que eu lutasse contra isso dia após dia…

Embora eu soubesse que de certo me causaria dor, ao mesmo tempo algo em mim achava que isto me causaria algum tipo de prazer. Mas não ousava jamais tocar neste assunto… Jamais permitiria que Eddie percebesse este desejo em mim, pois ele odiava mostrar suas presas mais que tudo.

Apesar de que em batalha isso fosse por vezes necessário e lhe desse vantagens, desde que estranhamente ele aprendera a sugar sangue de outros Vampiros. Contudo eu sei que ele nunca havia se confirmado em se tornar aquilo que mais odiava, e assim tomaria como ofensa pessoal se eu ousasse lhe oferecer minhas veias…

Se desde humano Eddie nunca foi o cara mais bem humorado do mundo, sendo até um tanto rabugento às vezes, após se tornar um ser noturno isto parecia ter piorado… Todavia ele nunca havia sido do tipo grosseiro, comigo pelo menos… Mas deixava escapar certos rosnados vez ou outra ao ser contrariado, e isto era algo que eu não queria provocar.

Seguimos então nossa parceria, caçando os sanguessugas humanóides que eram, assim chamados, vampiros… Dia após dia… Mês após mês… Ao mesmo tempo que eu sabia que ao lado dele eu corria o risco de sucumbir às minhas próprias tentações… Ou às dele, quem sabe? Contudo, certamente eu sabia que também teria muito mais proteção contra seres noturnos, do que se me virasse nessa vida por conta própria.

Enquanto reflito sobre tudo isso, estamos aqui indo para uma batalha. Lutaremos contra um bando de vampiros sobre os quais conseguimos rastrear um ninho há poucos dias… E traçamos uma estratégia para conseguir exterminar todo um bando com duas pessoas contra eles, entrando em seu próprio covil… Mas não é a primeira vez, sempre fizemos isso. Temos muita experiência e creio que eu só preciso permanecer confiante.  E por mais que Eddie seja mais forte agora e eu não tenho poderes, não me preocupo, pois mesmo assim sempre dei conta.

Estamos agora nos túneis indo até o covil… Já invadimos casas abandonadas, prédios abandonados, cemitérios e outros locais para exterminar estes seres malévolos. Contudo desta vez o local fica embaixo de uma velha fábrica já desativada.

Eddie caminha a minha frente, uma vez que seus dons o permitem enxergar nitidamente na escuridão que envolve todo ambiente ao nosso redor. Ambos levamos não somente grandes estacas, mas outras armas que causam danos a vampiros. No entanto, de repente sinto um breve arrepio na espinha. Algo passou ao lado sem que eu visse? Tenho um pouco de insegurança… Mas isso nunca me aconteceu… Talvez estar convivendo tanto tempo longe de seres humanos normais esteja me deixando com paranoias e uma mente mais fértil do que eu gostaria de estar…

Não sei exatamente quanto tempo nossa batalha durou, mas ela foi de fato dura desta vez. Tenho alguns ferimentos, mas nada grave… Eddie por sua vez tentou me defender várias vezes, até porque faz uso dos seus poderes sobrenaturais para tanto… Mas ainda assim, agora estou vendo as consequências de nossa batalha… Os danos foram sérios, havia muitos inimigos e Eddie se feriu demais, exatamente por tentar me proteger… Uma vez que me tornei um alvo fácil, sendo o único ser humano há quilômetros de distância, já que estamos em um lugar tão ermo.

Contudo, observo que ele os derrotou quase sozinho, embora eu tenha ajudado… Mas a luta lhe consumiu energia demais. Energias as quais nem todo o sangue que sugou deles pôde lhe repor… Eddie entrou em frenesi para ser páreo para todos eles apesar dos ferimentos, e teve muitos danos apesar de que os sugasse durante toda a luta.

Eu havia sugerido muito antes que buscássemos aliados quando estávamos no caminho para cá, e também já havia dito isto há dias antes desta empreitada… Mas ele sempre foi muito teimoso! E como eu já havia comentado nunca gostou de ser contrariado. Com minha exceção, sempre gostou de agir como um lobo solitário… Mas isto cedo ou tarde cobraria um alto preço.

Bom, agora ele conseguiu o sangue do qual precisava de alguma forma… Por fim, teve que sucumbir à sua condição vampírica… E algo me diz que odiará a si mesmo por muito tempo depois disto, mas não sei se estarei lá para ver… Pois já faz alguns minutos que ele finalmente enterrou seus dentes em minha jugular… Sim. Acho que ambos conseguimos o que queríamos, ou o que desejávamos secretamente sem confessarmos a nós mesmos.

A sensação foi mais intensa do que imaginei, e noto ter sido de uma certa ingenuidade minha ser uma presa tão fácil e ainda me surpreender com tal acontecimento… Sinto dor, mas não sei se é apenas dor… Mal consigo respirar e não sei até quando a minha consciência ainda vai durar…

Mas não sinto medo… Embora nos primeiros instantes fiquei numa tensão estática, e me deixei tomar pelo nervosismo obviamente… Os olhos vermelhos que me encurralaram na parede me assustaram, e fizeram meu coração bater rápido e com muita força, tal qual imagino ocorrer com toda presa diante de um pretenso predador.

Mas logo pensei: “é o Eddie!” E meus batimentos acelerados passaram a não ser apenas pelo medo. E para mim, lembrar deste detalhe bastou para eu não reagir, e para que a dor logo se misturasse a outra coisa. Algo que deveria ser ruim, traumático ou doentio talvez… Mas não é o que eu sinto.

Sim, o prazer obscuro com qual sonhei é real… E se mescla à sucção de modo anormal, por falta de palavras melhores para descrever. Ou por falta de conseguir pensar em palavras melhores, uma vez que meu raciocínio já começa a debandar, enquanto ele ainda me segura e me suga com força, num abraço que sei que será o último da minha vida.

Será que eu sentiria algo tão intenso e este deleite dolorido, mas ainda assim claramente um deleite sem dúvidas, se caso fosse outro sanguessuga qualquer a beber de minhas veias…? 

Ah, não… Eddie me perdoe por usar esta palavra! Te ofenderia se você pudesse me ouvir… Por favor, Eu não queria te compará-lo aos sanguessugas, não foi minha intenção…

Imagino que como neófito ele nunca poderia ouvir meus pensamentos… Ao menos é o que eu sempre soube em teoria. Por isto sei que tudo o que venho pensando nos últimos dias e mesmo agora nestes últimos momentos não será de acesso para ele. Mas, e se for verdade que ao se provar do sangue humano isto muda? E há também lendas de que os vampiros podem sentir as emoções ou às vezes até alguns sentimentos das pessoas a quem sugam… Nossa, se isto for verdade ele vai poder sentir? Se sim, vai saber que sempre desejei estar nos seus braços desta maneira, ainda que me custasse a vida.

Droga! Mas que coisa estranha, não sou mesmo uma pessoa normal… Enquanto tenho meu sangue sugado, fico aqui pensando tanta coisa… E as minhas maiores preocupações são com meus sentimentos sendo expostos ou não, do que com a possibilidade quase certa de morte.

Será que ele vai se lembrar de mim? E da nossa fiel parceria ao longo de tantos anos desde nossa adolescência, ou mesmo nos últimos meses quando ele não era mais humano… Ou somente se lembrará de mim como uma mera fonte de alimentação agora, nestes últimos minutos…? Será que ele vai sentir culpa quando perceber que me matou, ou nunca mais vai sair do frenesi e ter uma mente humana novamente? Será que ele vai conseguir recuperar sua consciência humana depois disto?

…Talvez não a tenha perdido totalmente, uma vez que me suga com certa gentileza… Posso notar. Não arrancou partes de minha pele e minha jugular como costuma fazer com os sanguessugas. Poderia muito bem rasgar minha carne e expor os músculos do meu pescoço como faz com os vampiros, mas comigo não o fez… Sinto com clareza que me suga lentamente, e isto prolonga meu deleite e alivia a dor… Devo admitir. Será que isso é prazeroso para você também, Eddie? Nunca saberei…

Já estou sentindo tonturas… Já está difícil puxar ar para os pulmões… Não falta muito para o fim agora. Sinto o corpo finalmente amolecer… demorou mais do que eu esperava e eu ainda divaguei mais tempo que eu esperava… Ou será que os últimos minutos da vida sempre parecem ser mais longos…? Sinto que este será meu último suspiro antes de perder os sentidos… Adeus Eddie, continuarei fluindo dentro de você! Não se sinta culpado por isso… Foi uma intensa experiência e uma bela morte. Será que você pode me ouvir…? Ouvir o que eu digo, ainda que não fale…

No mesmo instante em que o corpo de Sam desfaleceu, os olhos de Eddie voltaram a sua coloração escura, normal e humana. E suas presas vampíricas recuaram dando lugar a dentes humanos comuns. Ele então contemplou aquele corpo desfalecido em seus braços, e notou-lhe na face uma expressão que nitidamente se confundia com um leve sorriso. Sim, aquele rosto tão conhecido já não respirava, mas parecia tão sereno! E mal sabia que ele de fato escutava cada palavra em sua mente enquanto sugava seu pescoço, e que através do gosto de seu sangue podia de fato sentir seus sentimentos e emoções de algum modo insólito que não saberia explicar.

…Sentimentos nutridos por ele, já há tanto tempo em silêncio. Exatamente por isto tentara internamente lutar contra a sua animosidade, e já que não podia cessar a sucção, ao menos que ela fosse no mínimo prazerosa para ambos. No mínimo que ela honrasse aqueles sentimentos nutridos ao longo daquela parceria. Aos quais aquele caçador nunca quisera ver quando simplesmente os aceitava como uma mera amizade. Ou talvez desde sempre já soubesse que não seria apenas isto, se ele assim quisesse. Mas nunca soubera lidar com sentimentos, nem os dos outros e nem os dele mesmo. Mas agora nada disto importava. “Adeus Eddie, continuarei fluindo dentro de você!”– aquela frase seria dificilmente esquecida.

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DILETANTECAST: FIRST KILL/PRIMEIRA MORTE – MUITO MAIS QUE ESFEITOS ESPECIAIS

FIRST KILL ou Primeira morte em português, é uma série da Netflix que foi criada baseada num romance sobrenatural sáfico da estadunidense Victoria Schwab também conhecida como “V. E.” Schwab, onde uma jovem vampira e uma caçadora de vampiros e outros monstros se apaixonam e vivem um romance à lá Romeu e Julieta bem contemporâneo… E claro, com aquele toque sobrenatural que nós Diletantes adoramos… Analisaremos aqui pontos positivos e negativos da série, abordando também questões pertinentes à ela, tais como a sua mitologia peculiar e os ataques que ela tem sofrido na internet devido ao seu baixo orçamento nos efeitos especiais.

Em resumo, a série pode ser resumida como MITOLOGIAS PECULIARES E REPRESENTATIVIDADE VS TECNOCRACIA E PERFECCIONISMO… Ouça o podcast para entender melhor!

(—ERRATA: Durante o podcast o autor mencionado como “Theodore Todorov”, em verdade se chama TZVETAN TODOROV)

Dia dos Namorados, Dia Macabro

Ouça hoje no spotify este e outros episódios do Essência Diletante.

Esta era para ser uma história de Dia dos Namorados, mas às vezes realidades de fato macabras interferem nas fantasias românticas desta data… A história da menina que descobriu na data dedicada aos apaixonados, como a realidade pode ser mais perturbadora e cruel do que um filme de horror. (Baseado em fatos reais)

Leia também aqui no blogue a versão escrita do conto.