Valentine – uma metáfora perfeita do dia dos namorados

Minha proposta aqui é falar de um filme de terror clássico, contudo de um modo menos superficial, indo mais a fundo e além das mortes e do sangue – apesar de serem estes elementos fundamentais e aclamados pelos fãs de tramas neste estilo. Contudo me proponho a analisar o que as ironias, críticas e entrelinhas da produção me pareceram dizer, a qual pode ou não ser a interpretação de outras pessoas ou a intenção de roteiristas e direção… Bom, dito isso começarei com a sinopse (encontrada em outros sites) e darei minha interpretação do filme em si…

Um assassino vingativo transforma o ‘Dia dos namorados’ num dia de terror. Corações partidos e outras feridas mortais esperam um elenco de jovens estrelas quando eles atuam como veteranos que morrem por amor, nesse suspense de humor negro, dirigido por Jamie Blanks (de Lenda Urbana, e isto em si já explica muita coisa com relação à genialidade nas ironias da trama), e estrelado por David Boreanaz (que na época estrelava também a série Angel), Denise Richards (de Garotas Selvagens), Marley Shelton (de Procura-se Uma Noiva), Katherine Heigl (de A noiva de Chucky).

O ano da produção foi 2001. “O Dia do Terror” – versão brasileira de título PÉSSIMA ao meu ver – começa na pré-adolescência de uma turma de colégio, num baile, em que um garoto magrelo e de óculos tenta tirar para dançar as garotas bonitas da festa, provocando risos nas meninas e brincadeiras malévolas nos meninos tiradores de sarro. Corte rápido para a pós-adolescência, e a sangria vai começar. O ex-magrelo de óculos agora usa uma máscara de cupido e manda cartões de amor macabros antes de flechar mortalmente as universitárias, solteiras e disponíveis, aquelas mesmas que o rejeitaram nos tempos de colégio.

Agora assim, segue meu ponto de vista: sei que há quem o achasse na época um filme tolo, ou somente mais um “oportunista” que acompanhava a moda de “Pânico” sendo um de seus genéricos ou tentativas de seguir sua fórmula… MAS EU SEMPRE VI MUITO MAIS QUE ISTO NESTE FILME, desde que o vi pela primeira vez, e confesso que ele é programa constante para mim nesta época do ano quer eu esteja solteira ou não.

Bom, e qual a minha ideia de Valentine ser uma metáfora perfeita do que a data em si representa…? Data aliás que lá nos EUA não corresponde ao nosso 12 de junho, sendo celebrada em outro mês… Minha questão aqui é sinalizar o quanto a data (como outras, tais como o Natal, por exemplo) vem se tornando a cada ano mais fútil, e como ela sempre atua como algo que impõe um padrão de comportamento PREDETERMINADO e socialmente EXCLUI qualquer um que não se encaixe neste padrão superficial ou simplesmente não deseje segui-lo… E apenas pela sinopse a qual mencionei nos parágrafos anteriores desta matéria já podemos notar aspectos deste padrão versus exclusão.

Logo de início se nota que o plano de fundo da trama é a coisa dos “padrões perfeitos” versus rejeição a quem “está fora deles”… Onde nós salta aos olhos Jeramy Melton, o futuro “assassino vingativo”, como esquisitão rejeitado na escola e Dorothy, como ela mesma coloca em dado momento do filme, já em sua vida adulta, “a garota gorda” e todos atributos pejorativos que isto carrega na sociedade americana (a nossa)… Isso fora também ao preconceito que se mostra porque ambos estão sozinhos no baile…

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Na passagem dos anos o menino rejeitado arma uma vingança e vai atrás de todas que o rejeitaram naquele baile de Dia dos Namorados do Colegial… Ao mesmo tempo se vê ao longo do filme que nas vésperas do dia dos namorados todo mundo busca desesperadamente arranjar alguém, quem não importa muito… Isto aparece das formas mais estúpidas e americanoides existentes na época (2001): um encontro com um cara atraente até que se perceba ser literalmente um “nojento doentio” – algo que aliás, acontece BASTANTE ainda nos dias de hoje (aliás, tinder e whatsapp deram um “oi”), os restaurantes de “bate papo com rodízio de 30 segundos”, vídeos de “promova-se para relacionamento”, conversas sobre relacionamentos mentirosos na internet e outras frivolidades ridículas constantemente naturalizadas na sociedade

Ou seja, ainda é o “baile” em que ninguém quer estar sozinho custe o que custar… E alguns tipos de relacionamentos frustrados – parte bem realista no decorrer filme –  também são mostrados, como o casal aparentemente perfeito, mas o cara é alcoolatra. O casal quente mas o cara quer colocar uma terceira pessoa e isto magoa a garota. A garota sexy e aparentemente perfeita, Page, que vive atraindo um canalha atrás do outro – e aliás não me passou despercebido quando ela se queixa de o detetive do caso a assediar e uma da amigas não levar a sério… Ou seja, nosso moralismo hipócrita de cada dia, representando a máxima de “se a garota é ‘sensual’ e está disponível ela ‘pediu’ pelo assédio, então não tem direito a cobrar respeito”.

Continuando a lista de relações frustradas temos a garota rica com baixa autoestima que é alvo de espertalhão interesseiro… E aqui aparece uma Dorothy na vida adulta que – a despeito de uma vida materialmente confortável – nunca conseguiu se livrar do estigma social de seu peso, sofrendo inclusive humilhações em casa por isto, e sendo usada por um gigolô que apenas se faz de bom moço apaixonado para se aproveitar de sua carência e conseguir tirar dinheiro dela… Como aliás o filme deixa claro que ele já havia feito anteriormente com outra mulher, independentemente do formato de seu corpo. O que me passa uma referência ao fato de que não importa o quão bem sucedida uma mulher seja, ela sempre estará vulnerável em nossa sociedade, principalmente se deixar que sentimentos comandem suas decisões.

Ou seja, deixa claro que quer seja você tida como linda e sexy, ou inteligente, ou gordinha e alvo de preconceito, ou considerada bonita engraçada ou qualquer outro estereótipo com o qual comumente se “classificam” mulheres, VAI SE FERRAR NO AMOR EM ALGUM MOMENTO… Ou nas armadilhas socialmente dadas para se chegar à ele, se o colocar como algo que tenha uma importância muito grande em comparação a outras buscas mais necessárias no cotidiano ou ao longo da vida, como as personagens mencionadas.

VALENTINE - DIA DO TERROR0

Algo absurdamente criativo são os cartões com mensagens ao mesmo tempo românticas ao mesmo tempo de MORTE, e eu poderia destacar o caráter metafórico do amor e do ódio andando sempre juntos nisto, mas não quero me prolongar ainda mais agora…. Então por fim, mesmo após conseguir sua vingança o rejeitado Jeremy (que nos dias de adulto já se tornou também adaptado ao padrão) parece perceber que o estigma que o motivou aos crimes sempre irá acompanhá-lo da mesma maneira, pois ser aparentemente “aceito” ainda não é o bastante (parafraseando o mesmo) e o que a data em si representa é a busca (quase) obsessiva por esta aceitação encarada como algo “natural” em nossa sociedade, quando o filme foi feito e até os dias de hoje…

Bom…Happy Valentine for All! Ou simplesmente feliz dia dos namorados! E procurem não morrer neste dia… Seja literalmente, seja de desgosto, ou de tédio nas filas dos restaurantes e motéis…rs

Um clássico nunca morre! (só morrem NELE rsrs)

Portanto Valentine é uma Perfeita metáfora do que a data REALMENTE representa!

Assistam, analisem e concordem! (Se quiserem…) Segue o trailer…

Ana Maria Gonçalves: um dos meus referenciais

Bom, este ano felizmente meu arcabouço para falar de autoras nacionais nos últimos anos tem aumentado significativamente e me orgulho dizer que já conheci muitas autoras nacionais – inclusive pessoalmente – podendo repassar uma lista relevante delas, principalmente as ainda desconhecidas das mídias literárias e assim não tão famosas… E talvez algum dia eu ainda escreva sobre algumas delas aqui.

Então por hora falarei primeiramente de uma autora nacional conhecida que passei a de fato admirar neste último ano – Ana Maria Gonçalves. Uma autora nascida em 1970 em Ibiá, Minas Gerais. Publicitária por formação, residiu em São Paulo por treze anos até se cansar do ritmo intenso da cidade e da profissão. Em viagem à Bahia, encantou-se com a Ilha de Itaparica, onde fixou moradia por cinco anos e descobriu sua veia de ficcionista, passando a se dedicar integralmente à literatura e ao multifacetado universo cultural da diáspora africana nas Américas.

Passei a ter por tal autora muita estima não apenas porque a conheci num evento – onde consegui uma das fotos que ilustra este artigo – mas também pela escuta que pessoalmente me ofereceu, e por tudo o que ela havia dito durante a palestra que lá assisti acerca de seu próprio processo de criação literária e sua relação pessoal com as personagens criadas em seu mais famoso romance – “Um  Defeito de Cor”.

O citado livro levou anos para ser escrito e cerca de uma década para consagrá-la, tornando a autora um grande nome no ramo com uma só grande obra ao longo de uma década, tal qual uma única e valiosa pérola – o que se torna cada vez mais raro num mercado literário que cada vez mais se preocupa com um produtivismo serial colocando à margem o valor estético do que produz. Ao qual esta quem vos fala, e sua essência diletante, jamais deixam passar despercebido em uma história, seja esta qual for.

Apesar de sua fama Ana Maria me pareceu de fato bem acessível pessoalmente, bem mais que certos outros autores nacionais que se acham deuses e menosprezam fãs e autores sem fama quase que por hábito, vivendo de dissertar repetitivamente em eventos acerca das diferenças técnicas e bancárias entre “grandes e pequenos”, segundo eles.  E podemos dizer que A supracitada certamente é uma das poucas pessoas GRANDES na literatura do BR que escrevem de fato com alma e algum sentimento real pelo que cria! Ao menos pelo que me pareceu…

E, por mais que as técnicas tenham sua importância, sem envolvimento pode-se até construir best-sellers e produtos bastante rentáveis… Mas assim os livros tornam-se apenas isto: produtos; e não histórias realmente marcantes, das quais ainda se falarão daqui a décadas como a literatura sempre se constituiu. Por isto exatamente passei a admirar Ana Maria e buscar nela um referencial na literatura da atualidade, ainda que de fato meu estilo e temática de escrita sejam bem diferentes do dela…

Possui, portanto, certa relevância citar aqui o fato de que meu universo literário costuma girar sempre em torno de temáticas com tramas que destacam o sobrenatural, misticismo, mistério, ou universos fantasiosos totalmente alheios à realidade, além de poesias, algumas distopias clássicas e estudos filosóficos e comportamentais que me permitem analisar e criticar a vida cotidiana.

Contudo ao conhecer Ana Maria o trabalho dela certamente se tornou uma rara exceção para minhas inclinações e mereceu destaque suficiente para abrir uma brecha em minhas preferências habituais, as quais eu cito aqui como demonstração pessoal do que a qualidade do trabalho desta autora foi capaz: tirar alguém como eu de meus marcados refúgios ou ditas “zonas de conforto”.

 “Um Defeito de Cor”, lançado em 2006 recebeu em 2007 o Prêmio Casa de Las Américas. A história misturava fatos reais da história com ficção para contar a trajetória de Kehinde, capturada na África ainda na infância e escravizada no Brasil colonial onde foi rebatizada como Luiza. A obra com dois anos de pesquisa detalhada, levou um ano para ser escrita e mais dois sendo revisada e reescrita – enquanto hoje autores tanto veteranos quanto calouros se cobram produzir dois ou mais romances ao ano ou terminar um livro inteiro em poucas semanas, tal qual uma máquina o faria.

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Pessoalmente sobre o processo criativo de “Um Defeito de Cor” posso afirmar com base em na já citada palestra com a autora – que tive o privilégio de assistir em 2017 – o fato de que estamos diante de um dos tipos de processos criativos que se torna cada vez mais raro seguindo o que acompanho no mercado editorial atual: onde além da pesquisa feita para desenvolvimento da história, temos também uma autora que de fato se envolveu à nível emocional com sua obra.

Visto que no supracitado evento, Ana Maria afirmava estar tão inserida em sua história ao ponto de “adoecer quando a personagem adoecia” e ao andar pelas ruas “imaginar cenas e diálogos de personagens ao se deparar com prédios históricos”, tal qual eles fizessem parte de seu cotidiano. Envolvimento íntimo entre autora e obra que me toca de forma maravilhosa e ao qual eu muito me orgulhei por saber ainda ser capaz de existir na literatura nacional contemporânea vindo de uma autora consagrada.

Cito ainda que a autora disse em entrevista à Revista Cult há alguns meses, estar preparado a sua primeira peça que trata sobre “o papel da mulher em uma posição profissional de poder numa sociedade paternalista”, intitulada “Tchau, querida!”, sobre a qual creio ser de suma relevância a menção neste artigo, embora eu não possua ainda mais informações sobre tal  espetáculo em andamento.

Numa escala de afetividade pessoal, creio ter me apegado à supracitada escritora também por ter sido uma das poucas apoiadoras do movimento negro que ao conversar comigo sobre minhas próprias questões raciais (sim, ela me foi acessível e gentil a tal ponto ou eu tive um pouco de sorte), me fez me sentir REALMENTE à vontade para  me colocar sem ter de deixar de ser exatamente quem Eu sou – sendo eu também Negra, porém mestiça e filha de pai negro e mãe branca, não me sentindo nunca bem diante de muitos militantes que sempre tendem a me olhar com desconfiança pela minha  preferência em me manter fluida entre ambas identidades raciais, sem modificar minha aparência e estilo (não característicos da cultura afro),  e sem abandonar minhas paixões tanto musicais quanto  literárias de cunho nas origens europeias para adicionar e valorizar as de cunho africano, após descobrir nos últimos anos que AMBAS me apeteciam.

Uma vez que para quem me conhece sabe que não sou de bajular qualquer pessoa, dentro ou fora da literatura – pelo contrário, costumo criticar às vezes até a quem me é relevante para bem ou para mal – para terminar de ilustrar porque deixo aqui escritas estas linhas, segue para finalizar o trecho dito por Ana Maria na entrevista da revista Cult, a qual nunca pode faltar quando falo dela, pois me representa e me toca de maneira visceral :

“Eu não quero me confundir com esta sociedade. Eu quero ajudar a criar um novo modelo de sociedade, que parta da fissura, do quebrado. Depois de ser restaurado com pó de ouro, o objeto é mais valioso. Nossas vozes e nossas ideias são pó de ouro.”

 

[REFLEXÃO] Sobre ser Ovelha Negra…

… serve também para outros agrupamentos onde entramos vida à fora, não somente o familiar. E como já dizia Lê R. anos atrás no MANIFESTO DA OVELHA NEGRA: “Temos direito à voz, então gritamos. Temos direito à liberdade, então voamos. Temos direito ao livre arbítrio, então somos felizes. “

…e exatamente é ESTA a essência de uma Ovelha Negra…

§§§

“As chamadas “ovelhas negras” da família são, na verdade, caçadores natos de caminhos de libertação para a árvore genealógica.

Os membros de uma árvore que não se adaptam às normas ou tradições do sistema familiar, aqueles que desde pequenos procuravam constantemente revolucionar as crenças, indo na contramão dos caminhos marcados pelas tradições familiares, aqueles criticados, julgados e mesmo rejeitados, esses, geralmente são os chamados a libertar a árvore de histórias repetitivas que frustram gerações inteiras.

As “ovelhas negras”, as que não se adaptam, as que gritam rebeldia, cumprem um papel básico dentro de cada sistema familiar, elas reparam, apanham e criam o novo e desabrocham ramos na árvore genealógica.

Graças a estes membros, as nossas árvores renovam as suas raízes. Sua rebeldia é terra fértil, sua loucura é água que nutre, sua teimosia é novo ar, sua paixão é fogo que volta a acender o coração dos ancestrais.

Incontáveis desejos reprimidos, sonhos não realizados, talentos frustrados de nossos ancestrais se manifestam na rebeldia dessas ovelhas negras procurando realizar-se. A árvore genealógica, por inércia quererá continuar a manter o curso castrador e tóxico do seu tronco, o que faz a tarefa das nossas ovelhas um trabalho difícil e conflituoso.

No entanto, quem traria novas flores para a nossa árvore se não fosse por elas? Quem criaria novos ramos? Sem elas, os sonhos não realizados daqueles que sustentam a árvore gerações atrás, morreriam enterrados sob as suas próprias raízes.

Que ninguém te faça duvidar, cuida da tua”raridade” como a flor mais preciosa da tua árvore. Tu és o sonho de todos os teus antepassados.”

(Texto brilhante de Bert Hellinger)